Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 14/5/2015 do O POVO.

CarlusOs super-ricos estão preocupados (ou com medo)
Plínio Bortolotti

Se o leitor consultar qualquer livro de história vai observar que nenhuma grande mudança na sociedade aconteceu sem violência contra o status quo. É certo também que as classes dominantes, nem mesmo quando a água já estava batendo no nariz, conseguiram perceber que alguma coisa urgente precisava ser feita, ou uma revolução arrombaria as portas, pondo abaixo os castelos do antigo regime.

Demandaria pesquisa verificar se, em priscas eras, havia muita gente do andar de cima gritando “perigos à vista”, e propondo mudanças “por dentro” para acalmar a plebe.

Nestes tempos modernos, parece aumentar o número de bilionários que estão preocupados (ou com medo) do profundo abismo existente entre os que desfrutam em excesso e aqueles que nada possuem ou têm pouquíssimo. Eles devem ter percebido que a panela está a ponto de explodir, pois a fervura está chegando ao máximo e válvula já não está dando mais vencimento da pressão.

Já citei neste espaço os investidores americanos Warren Buffett e George Soros entre os “preocupados” com os “indignados”. Eles propõem alguma mudança, digamos, mais profunda, como aumento de impostos para os super-ricos ou maior controle da atividade financeira, por exemplo. Apesar de pouco conhecido fora do meio – ele costuma dar poucas entrevistas – Paul Tudor Jones, um dos maiores gestores americanos de fundos, faz parte do clube dos bilionários preocupados com as diferenças cada vez maiores entre pobres e ricos.

Em recente palestra no TED Talk, na Califórnia, disse que as grandes empresas e corporações desenvolveram uma tendência “monomaníaca” por lucros, equivalente a um vício. E, como no caso do viciado, o primeiro passo para superar a adição seria “reconhecer que existe um problema”.

Na conferência, ele mostrou que 90% das ações americanas estão nas mãos de apenas 10% das famílias. E que, nos Estados Unidos, 1% da população se apropria de cerca de 20% da renda total do país: “Até o final da década de 1970, era menos do que a metade disso”.

Diz ainda que os lucros corporativos estão em sua taxa mais alta dos últimos 40 anos: “Fabuloso se você é um acionista, mas se for um trabalhador, verá que isso não é bom”.

Segundo Tudor, quando o crescimento da margem de lucro não aumenta a riqueza da sociedade – e ainda faz a crescer a desigualdade – a equação põe em risco os próprios fundamentos do capitalismo. “A obsessão pelo lucro se tornou algo tão normal que a sociedade deixou de perceber como, aos poucos, está destruindo a si mesma”.

Mas se alguém está imaginando Tudor como uma espécie de Friedrich Engels, enganou-se: ele faz do capitalismo a sua profissão de fé. Alertando, porém, que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres será fechado, “seja através da revolução, de impostos mais altos ou da guerra”. E que ele não gosta de nenhuma das três opções.

E o que propõe Tudor, se é contra até o aumento de impostos para os bilionários? Ele disse confiar nos americanos para achar uma saída. Criou uma fundação, a “Capital Justo”, para pesquisar, entre os trabalhadores, propostas para tornar a relação mais equânime. De posse das respostas ele pretende “ajudar as empresas e corporações a encontrarem meios de agir de maneira mais justa”.

A ver.

NOTAS

Problema
Frente à magnitude do problema, parece frágil a proposta de Paul Tudor. Pois, ao mesmo em que critica o “vício do lucro” – e diz que a filantropia não resolverá o problema – manifesta-se contra o aumento de impostos. E, como republicano, deve também antipatizar com o aumento de salários. Como então, redistribuir a riqueza?

Abismo
De qualquer modo, não é de se desprezar a disposição dos bilionários reconhecendo que a diferença extrema entre as classes sociais criou um abismo que pode devorar a todos.

Conferência
TED (Tecnologia, Entretenimento, Design ) é uma fundação americana dedicada à inovação, que promove o evento TED Talks (conferências). Clique para ver o vídeo com Paul Tudor.

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