Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 16/8/2015 do O POVO.

CarlusA concentração de renda e o descaminho do PT
Plínio Bortolotti

Duas coisas: 1) o tipo de governo inaugurado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva obteve excelente êxito, reduzindo a pobreza e propiciando a ascensão econômica e social de uma expressiva parcela da população da brasileira; 2) ao fim de seu segundo mandato, esse modelo – baseado no consumo, no crédito fácil e em programas de complementação de renda – já estava esgotado, pois não alterava a essência da profunda desigualdade da sociedade brasileira.

O que fazer, então, a partir do terceiro mandato concedido ao PT?

Alguns números divulgados pela Receita Federal dão pistas sobre um dos porquês de a diferença entre pobres e ricos no Brasil ser tão profunda. Mostra o tamanho do fosso, a necessidade de ir além das “políticas compensatórias” – e por que é difícil fazê-lo

Os dados, referentes a 2013, revelam que os detentores de renda mais alta são os que menos pagam imposto de renda. Quem está no topo da pirâmide social, aqueles que ganham mais mais de 160 salários mínimos por mês (R$ 126,080 mil), pagam IR sobre apenas 6,51% de sua renda total. Isso porque 65,8% dos seus rendimentos são dispensados legalmente do pagamento do tributo.

São apenas 71.440 pessoas nessa condição (0,3% do total dos contribuintes), donos de 14% de toda a renda declarada ao fisco . A média de renda anual desses privilegiado é de R$ 4,170 milhões por ano; R$ 347,500 mil por mês. Junto a outros 655.285 contribuintes, com renda entre 40 e 80 salários mínimos, o setor representa 2,74% dos contribuintes, e abarca 30% do total da riqueza declarada.

O número total de declarantes do IR é de 26.494.416 pessoas.

Nas faixas mais numerosas de pagadores de imposto de renda, entre três a dez salários mínimo – onde se situa a classe média (incluindo a “nova”) – estão 15.182.402 contribuintes. Representam 57% do total de declarantes, e ficam com 21,4% da renda.

Portanto, se algum governo quiser alterar a estrutura da desigualdade brasileira, uma das medidas será fazer justiça tributária: taxar grandes fortunas, por exemplo, e acabar com isenções imorais, entre outras medidas.

Porém, para mexer nessas causas profundas, seria preciso abdicar do “presidencialismo de coalizão”, que impede qualquer incursão sobre os privilégios da elite brasileira. Quando foi que os bancos lucraram tanto? Como mexer no “clube” das construtoras, que vinham dilapidando o patrimônio público, se elas é que financiam o submundo da política?

É bem provável – caso o PT houvesse tido a ousadia de ir pelo caminho que indicavam as suas origens -, estaria enfrentado uma tempestade maior do que esta, com a qual se defronta. A diferença, é que o partido estaria de cabeça erguida, em conformidade com suas propostas e com a sua história -, e não acuado, instado a explicar o balcão de negócios escusos que prosperou sob seu governo.

Provavelmente, se assim fosse – se tomasse medidas mais profundas em direção a um país mais igualitário -, o céu também desabaria sobre o PT – e os gritos de “comunismo” e “bolivarianismo” ecoariam com mais desvario -, e Dilma poderia ter perdido a sua segunda disputa. As elites não brincam em serviço quando se trata de defender os seus privilégios.

Porém, o PT estaria com a sua honra intacta e continuaria a ser o fio de esperança de milhões de brasileiros que acreditaram em suas promessas. E agora, o que lhe resta?

NOTAS

Receita
Pela primeira vez a Receita Federal divulgou informações detalhadas sobre o imposto de renda. Anteriormente, havia se recusado a fornecer dados para o economista francês, Thomaz Piketti, autor de O capital no século XXI, que aborda a concentração de renda no mundo.

Fortunas
Cálculos indicam que cobrar IR sobre grandes fortunas renderia entre R$ 25 bilhões e R$ 100 bilhões aos cofres públicos, dependendo da alíquota estabelecida. A taxação das grandes fortunas é prevista na Constituição de 1988, porém nunca foi regulamentada.

Recorrência
Em vários artigos venho abordando a injustiça tributária brasileira. Alguns deles, se houver algum interessado: Carga tributária sacrifica os mais pobres; Imposto sobre grandes fortunas; Dos mais ricos para os mais pobres.

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