Reprodução da coluna “Menu Político”, cadenrno “People”, edição de 4/10/2015 do O POVO

Guabiras

Arte: Guabiras

As novas famílias enfrentam os novos fariseus
Plínio Bortolotti

“Mamãe, mamãe, mamãe/ Eu te lembro o chinelo na mão/ O avental todo sujo de ovo/ Se eu pudesse/ Eu queria, outra vez, mamãe/ Começar tudo, tudo de novo”.

Levante aí a mão quem acha que as mães ainda são assim. Ou melhor, se as famílias ainda se constituem deste modo: com a mãe, a “rainha do lar”, cuidando dos filhos, varrendo o quintal, lavando panelas, fazendo comida – e esperando marido chegar do trabalho (ou do encontro com a amante) com o prato quentinho esperando no forno?

Excluídos os que vivem no passado e os hipócritas, creio que poucas pessoas acreditam que as famílias de hoje sejam iguais àquelas em que as pessoas de uma geração com 50 anos ou menos vivenciaram. Eu sou do tempo, de menino, em que uma mulher separada do marido, ou “largada”, como se dizia, era discriminada e os filhos sofriam bullying (que também não se chamava bullyng) na escola. Hoje é bem provável que uma criança, cujos pais biológicos permaneçam juntos, despertará a curiosidade, e terá de explicar aos amiguinhos por que os pais dele ainda não se separaram.

Meu amigos, olhem à volta: quantos arranjos familiares diferentes vocês observam no seu cotidiano? Se a Igreja Católica, que age sub specie aeternitatis, já notou que tem de se adaptar ao novos tempos, com o papa Francisco pedindo “compaixão” com os casais divorciados, por que há cristãos insistindo no “papai-e-mamãe” quando se trata da família? Por que não pode “papai-e-papai” ou “mamãe-e-mamãe”? Por que uma pessoa sozinha (hetero ou homo) não pode adotar filhos e formar uma família? Por que divorciados, que se casam de novo, não podem ter uma grande família, formada com a antiga e a nova?

Se a possibilidade de uma família “diferente” ser amorosa e feliz é a mesma de um casamento tradicional, qual o problema?

E, se novos arranjos fazem parte da realidade, sem causar nenhum prejuízo a ninguém, pelo contrário, porque a comissão da Câmara dos Deputados que discute o chamado Estatuto da Família, definiu-a exclusivamente como “união entre homem e mulher”, em sessão com forte influência de deputados e ativistas evangélicos?

O deputado Takayama (PSC-PR), ao gritos afirmou que “homem com homem não gera (filhos)” e “mulher com mulher não gera”. Sinceramente, creio que nem Freud explica a fixação de alguns pelo o ato sexual meramente reprodutivo, como se homens e mulheres fossem animais de engorda.

Tudo bem que Deus disse “Crescei e multiplicai-vos”, mas Ele não disse que todos estavam obrigados a isso. E, como existem várias crianças rejeitadas pelos pais biológicos (pelos mais variados motivos), deixai, diria um deus piedoso, que aqueles que querem acolhê-los em uma família o façam. Ou você é daqueles que preferem ver as crianças criadas em asilo em vez de estarem com duas mães ou dois pais amorosos? Ou você é daqueles que veem a homossexualidade como uma “doença” e, pior, contagiosa – que deve ser “curada”?

Amigo, sinceramente, convido-o a entrar no século XXI, ou se alistar nas hostes do Estado Islâmico. Creio que, apesar de vocês apelarem para deuses nominalmente diferentes, acabarão se dando muito bem, pois, na essência, o deus que vocês acreditam é o mesmo.

Esses “cristãos”, adeptos da leitura literal da bíblia, formalistas e hipócritas, podem tranquilamente ser classificados como os novos fariseus.

NOTAS

“Sub specie aeternitatis”
É uma conhecida frase, do filósfo Baruch Spninoza, que significa “na perspectiva da eternidade”. Não sou versado em Spninoza, porém conhecia a expressão. Ao filósofo tento entender, do latim vou ao dicionário.

Aos novos fariseus
A sentença do apóstolo Paulo: “Agora, pois, permanecem fé, a esperança e o amor; porém o maior desses é o amor” – deveria ser um farol para quem se considera cristão.

Crédito
O trecho que abre o artigo foi extraído da música “Mamãe”, que foi cantada por Ângela Maria, Aguinaldo Timóteo e Toquinho, porém, mesmo pesquisando, não consegui verificar quem é o autor da melodia ou da letra.

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