Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 25/10/2015, do O POVO.

CarlusJornalistas são os culpados pela epidemia de más notícias?
Plínio Bortolotti

Recentemente escrevi uma coluna com o título O que o leitor quer: notícias boas ou ruins? (11/10/2015), confrontando a exigência por “boas notícias” com as pesquisas mostrando que violência, crimes, mortes e mexericos sobre “celebridades” são os assuntos mais procurados nos jornais.

No mesmo dia em que a coluna foi publicada, passeando por uma livraria vi o livro Notícias – Manual do usuário, do escritor Alain de Botton, chamado de “filósofo pop”, por abordar temas do cotidiano de maneira informal, sem jargões acadêmicos. Botton nasceu na Suíça e foi criado na Inglaterra, onde mora.

Concordando com a tese de Hegel, Botton diz que “na sociedade moderna, o noticiário passou a desfrutar do prestígio que antes era das religiões”, mas que estas sempre tiveram em conta a incapacidade do público em “focalizar a atenção”. Por isso, as religiões oferecem, a cada dia, apenas “uma pequena porção de seu cardápio”, de modo a influenciar a maneira como as pessoas pensam e se comportam. Para os dois filósofos, o “pop” e o tradicional, no mundo moderno “o noticiário passa a ocupar o lugar da religião como principal fonte de orientação e como referência de autoridade”.

Os meios de comunicação, por sua vez, com sua avalancha de informações, carentes de “coordenação, destilação e curadoria”, diz Botton, em vez de deixar a “impressão de uma possibilidade política, o contato com as notícias do dia pode nos causar uma sensação de insignificância em um universo mentalmente caótico e sem salvação”.

Para ele, existem duas maneiras de obter a passividade dos indivíduos: proibindo as informações ou oferecendo-as excessivamente: “Uma enxurrada de notícias, e não a sua proibição, seria suficiente para deixar o status quo inalterado para sempre”. Segundo o escritor, é este o caminho que estão trilhando os meios de comunicação: quantidade em vez de qualidade.

Mas a tese central defendida por Botton é que a responsabilidade pela preferência dos leitores por más notícias é dos jornalistas, que não conseguiriam escrever de modo atraente sobre os assuntos de interesse público – e não de uma tara especial dos leitores por ver banalidades, crimes e violência nos noticiários.

Diz ainda Botton que os jornalistas são obcecados pela “precisão” e que isso atrapalharia o mister de fazer as notícias mais sedutores. “As falsificações podem eventualmente ser necessárias a serviço de um objetivo ainda mais elevado que a precisão: a esperança de transmitir ideias e imagens importantes a um públicos impaciente e distraído”. (O problema é que a autorização para falsificar em nome de um “bem maior”, todo mundo sabe do jeito que termina – e sempre é péssimo.)

Botton diz que, para cada fato negativo, em qualquer lugar do mundo, há centenas de outros mostrando a normalidade da vida: “Alguns vão se rebelar e se exaltar nas ruas, quebrando vitrines e fugindo com seus saques, mas a maioria estará ocupada em cuidar das flores no jardim e manter a cozinha arrumada”. (De fato, assim como o sol nasce todo dia.)

Na conclusão, o escritor dá a receita dele para um jornalismo “ideal”. Porém, para se obter o “jornalismo ideal” de Botton, primeiro seria necessário um mundo ideal. E, suspeito, em um mundo ideal o jornalismo talvez fosse desnecessário, como todas as demais instituições.

NOTAS

O jornalismo…
Noticiário Político: “Deveria criar uma ação harmoniosa e tolerante (…) tornando possíveis momentos de orgulho e empatia coletiva”. Internacional: “Deveria ajudar a humanizar o Outro em nossa mente…”

… ideal de…
Econômico: “(Deveria) descartar tanto o cinismo desnecessário quanto a indignação imatura”. Celebridades: “Os famosos nos fariam sentir uma inveja produtiva e equilibrada”.

Alain de Botton
Desastres: “As tragédias dos outros deveriam nos lembrar de que muitas vezes também estamos muito perto de nos comportar de forma amoral, tacanha ou violenta”. Consumo: “O noticiário deveria (…) nos orientar habilmente para objetos e serviços (…) com mais possibilidade de atender a nossas aspirações subjacentes de uma existência plena”.

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