Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, jornal O POVO, edição de 3/1/2016.

Carlus1O compositor e os arruaceiros
Plínio Bortolotti

Esta primeira coluna de 2016 talvez devesse começar desejando feliz Ano Novo aos leitores (o que estimo), ou fazendo um balanço do ano que passou, mas me arrisco a falar de uma assunto que possivelmente será considerado de pouca importância ou “velho”, devido à velocidade cibernética que toma conta da vida hodierna (pelo menos arranjei um jeito de usar essa palavra).

Sim, vou comentar o famoso vídeo em que o compositor Chico Buarque confronta um bando de moleques que se achou no direito importuná-lo e xingá-lo no meio da rua, devido à simpatia dele pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Até agora os cachorros loucos só haviam assediado militantes de carteirinha do PT, não respeitando nem mesmo o ambiente sagrado de um hospital, agora estão também atacando qualquer um que ouse expor suas ideias publicamente.

O fato deixou mais claro para mim uma ideia que já fermentava em minha mente: o que incomoda a “elite branca” (crédito para o ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo) não é exatamente a “roubalheira do PT”, porém, aquilo que está em seu registro de nascimento (depois de ter perdido suas características iniciais permanece ainda a liturgia formal): um partido dos de baixo, dos operários, das Comunidades Eclesiais de Bases e de seus pobres das periferias.

A “roubalheira” do PT é apenas uma desculpa, pois integrantes de outros partidos fazem igual. Estão aí o PSDB e o PMDB – e mais de uma dezena de pequenos partidos, incluindo as legendas de aluguel – para confirmar a minha tese.

E que os irrita não são propriamente os (muitos) erros do PT, incluindo a roubalheira, porém os seus acertos: Bolsa Família, política de cotas, Universidade para Todos, aumento do salário mínimo acima da inflação, ascensão da chamada nova classe média.

Bolsa Família: “Para sustentar vagabundos”; política de cotas: “Sou a favor da meritocracia”; aumento do salário mínimo: “Vai tirar a competitividade do empresariado”; ascensão dos pobres: “Aeroporto agora virou rodoviária”.

É mera coincidência que os defensores do impeachment, por causa da “roubalheira do PT” e devido às “pedaladas fiscais” de Dilma sejam os mesmos – em sua maioria – que esgrimem argumentos como os que anotei entre aspas do parágrafo anterior?

Deve ser muito duro para pessoas desse quilate ver sujeito branco, de olhos azuis e bem sucedido – um “igual” a eles – defender o PT, o representante da ralé. Tanto é que um dos vagais lamenta: “Todo mundo era teu fã, Chico”. O outro diz que o compositor é “um merda”, por apoiar o PT. Durante o entrevero, o cantor permaneceu calmo e falando baixo. Uma lição de elegância aos arruaceiros.

Ao que diz que o “PT é bandido”, Chico responde sorrindo: “Eu acho o PSDB bandido, e aí?” Como ele sabe lidar com as palavras, a frase não deve ser entendida em seu sentido literal. O escritor deu uma sutil lição ao seu interlocutor (porém, duvido que o bruto algum dia vá entendê-la). O que Chico quis dizer, creio, é que aquele caminho era um interdito ao diálogo. O sentido foi o seguinte, interpreto: “Entenda meu amigo, é impossível conversar desse modo, o diálogo somente será possível em termos civilizados”.

NOTAS

Polícia Federal
Outro ponto positivo do governo Dilma Rousseff é a autonomia da Polícia Federal. Espalha-se entre certa elite, habituada à impunidade, a pergunta “Aonde isso vai chegar?”, em referência às investigações. Porém, a dúvida subtendida é: “Serei pego?”

PF
Dilma Rousseff nunca reclamou das investigações da PF, Eduardo Cunha (PMDB) já se queixa; Fernando Henrique Cardos diz que no governo dele a corrupção não era “sistemática”. É bom lembrar que a suposta compra de votos para o segundo mandato de FHC e possíveis irregularidades na privatizações nunca foram investigadas.

Aviso
Aos que se apressarem a me classificar como “petista” peço, se possível, o favor de ler antes textos em que critiquei o PT e o governo. Assim, o eventual recriminador poderá ir além da acusação vazia.

Créditos
Para quem ainda, por acaso, não tenha visto o vídeo citado no texto.

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