Reprodução da coluna “Menu Político”, publicada na edição de 10/1/2016 do O POVO.

CarlusÀ esquerda e à direita: o mesmo comportamento
Plínio Bortolotti

Costuma-se dizer que não faz mais faz sentido a divisória entre “esquerda” e “direita”, termos oriundos da Revolução Francesa, no século XVIII. Porém, nem a história chegou ao fim, nem apagou-se a linha demarcatória entre esses dois campos. Mas, o comportamento de muitos militantes das duas correntes podem ser mais parecidas do que se supõe.

Já escrevi em algum artigo que me considero um sujeito de esquerda, na definição de Norberto Bobbio. Como anota o filósofo italiano, a esquerda considera mais o que os homens têm em comum do que aquilo que os divide; a direita faz o contrário. Para direita, a desigualdade é a regra e a igualdade a exceção. Para a esquerda, as desigualdades têm de ser reduzidas ou abolidas; para a direita, são justificadas e naturais. Bobbio adverte: a distinção entre direita/esquerda é simples, mas não é simplista.

Aliar-se a uma dessas correntes de pensamento não deveria nos fechar os olhos para os erros e as barbaridades cometidas no campo em que nos posicionamos. Principalmente para quem tem a obrigação – como os jornalistas – de pautar-se pela análise em vez da militância.

Comecemos pelo Brasil, ficando em dois singelos exemplos.

Enquanto a operação Lava Jato parecia atingir apenas o PT, a esquerda afirmava (com razão) que era incorreto usar a “delação premiada” como prova definitiva. Mas a direita aproveitava-se de cada “vazamento” para intensificar os ataques contra o governo. Quando nome de partidos considerados de direita começaram a entrar na roda, foi a vez deles chiarem, para gáudio da esquerda.

O inaceitável assédio de arruaceiros contra Chico Buarque, no meio da rua, eriçou a esquerda que saiu em defesa do compositor, classificando o ataque de “fascista”. Ora, mas ninguém da esquerda saiu em defesa do direito de Yaoni Sánchez falar sem ser agredida, quando esteve no Brasil. Pelo contrário, hostes da União da Juventude Socialista (UJS), ligada ao PCdoB, fizeram coisa parecida com a blogueira cubana, crítica da ditadura dos Castros. (A propósito, na época, escrevi um artigo com o título “Por que perseguem Yaoni Sánchez?” criticando os arruaceiros de esquerda.)

Vamos dar uma volta pela América Latina.

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, era duramente atacada pela direita, incluindo a brasileira, sob a acusação de violar as regras da democracia – enquanto a esquerda a defendia. Bastou o novo presidente Mauricio Macri assumir para agir do mesmo modo. Ele nomeou, por decreto, dois juízes para a Suprema Corte: críticas à esquerda, silêncio à direita.

No Brasil, a esquerda critica o fato de o PSDB estar inconformado com a derrota nas eleições, buscando qualquer brecha para afastar a presidente Dilma Rousseff, valendo até aliar-se ao famigerado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados.

Porém, a esquerda evita crítica semelhante ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que ameaça usar o tapetão e a força para anular a vitória dos opositores; e ainda tolera o comportamento de Evo Morales, que pretende se transformar em presidente vitalício da Bolívia. O mesmo pecado da direita, que se insurge contra o “bolivarianismo”, mas faz vista grossa aos primeiros arreganhos autoritários de Macri.

Esquerda e direita sempre haverão de encontrar justificativas para o comportamento errático: cada qual para o seu lado.

NOTAS

Brasil
No Fla-Flu brasileiro floresce um novo tipo de profissional: o jornalista militante, à esquerda e à direita. São penas tortas, que só pendem para um lado.

Imprensa
Jornalistas que agem assim talvez o façam para acompanhar alguns periódicos, que também resolveram abandonar o jornalismo, transformando-se em instrumentos partidários.

Jornalistas
O jornalista tem o direito de declarar-se a favor ou contra a alguma corrente de pensamento; o que deve evitar é a militância, principalmente a partidária, que embota a visão analítica necessária ao exercício profissional.

Crédito
Caso alguém se interesse pelo texto que escrevi sobre Yaoni Sánchez: http://migre.me/sADVC

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