Reprodução do artigo publicado na edição de 11 de fevereiro de 2016 do O POVO.
Alegoria carnavalesca
Plínio Bortolotti
Passou-se o Carnaval, a Quarta-feira de Cinzas, inicia-se a Quaresma: então, finalmente o ano começa no Brasil. Todo mundo de volta hoje ao batente, revigorado para mais um recomeço.
Eu disse “todo mundo”? Ôpa, peraí, vamos rebobinar a fita. Estou falando, é claro, da grande massa de trabalhadores assalariados e daquele sujeito que dá duro para ganhar a vida, pois, para o Legislativo e o Judiciário, o ano só começa na segunda-feira, 15 de fevereiro. Porque a esses segmentos, além das duas férias anuais, existem os descansos ultrapolongados.
O fato é que no Brasil existem espécies de castas no serviço público, que obtêm ou se atribuem privilégios com os quais o trabalhador comum nem sonha. (Atenção: não se trata de uma crítica generalizante ao funcionalismo público.)
De qualquer modo, isso não faz a mínima diferença: o País vive um clima finlandês de tranquilidade, tudo corre nos trilhos, os problemas são banais e serão facilmente resolvidos.
Afinal, deveríamos nos preocupar se, no Brasil, a Procuradoria-geral da República estivesse pedindo, na mais alta Corte do País, o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, acusando-o de diversos crimes.
Estaríamos mais preocupados ainda se contra a presidente estivesse correndo um processo de impeachment e houvesse urgência de um desfecho, para que o País retomasse seu ritmo normal.
Se a isso se juntasse a necessidade de impor cortes a um Orçamento já apertado, que poderia inclusive comprometer programas sociais, estaríamos levando as mãos à cabeça. E, por óbvio, também não temos nenhum assunto muito polêmico, com a introdução de um novo imposto, que dependa do exame do Legislativo.
Se não existe nenhuma urgência, por que, então, ficar inquieto e atrapalhar o justo ócio de suas excelências?
Por isso, nossos políticos e juízes podem descansar em paz, aproveitar o restinho da festa, revigorar-se no fim de semana e voltar tranquilamente na segunda-feira para a modorrenta rotina finlandesa (ou seria sueca?).
Muitos só reclamam de vereadores e deputados, mas com muita coragem você mostra que é um abuso e um desrespeito essa folga.
Tal como algumas regalias, é inaceitável o recesso para o Legislativo e o Judiciário.
Sempre reclamei de alguns gestores que aproveitam as operações rotineiras e necessárias de tapar buracos, tirar lixo e limpar lagoas para executá-las somente em algumas ocasiões e com alarde e propaganda, o que apenas reforça e sinaliza que não as fizeram no tempo devido.
Bastaria que tivessem trabalhado quando a população mais necessitava.
Assim os mutirões da Justiça ou algumas sessões do Legislativo passam apenas a idéia de que deixaram de trabalhar em algum momento.