Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 13/3/2016 do O POVO.

CarlusLula e o mundo sedutor da elite
Plínio Bortolotti

Luiz Inácio Lula da Silva voltou a sacar seus velhos discursos com oposições e metáforas simplistas, porém de fácil entendimento, portanto eficazes como discurso político.

Lembro-me de um trecho do livro “Os dez dias que abalaram o mundo”, sobre esse período decisivo da Revolução Russa (1917), em que Jonh Reed narra o encontro de um operário com um oponente dos bolcheviques, sendo que este era mais preparado para o debate. Reed conta que, a cada argumento do antagonista, o operário respondia: “Eu só sei que existe a burguesia e o proletariado”, reafirmando que a redenção estaria nesta classe. (Cito de memória.)

Lênin, um teórico sofisticado, sabia que os operários não entenderiam (e talvez não gostassem muito de saber) que os bolcheviques os viam como uma “classe em si” e não “para si”. Por isso, o partido lhes oferecia díades simplificadas e palavras de ordem de fácil entendimento: “Paz, pão e terra”, que foram capazes de eletrizar as “massas” e levar os bolcheviques ao poder.

Pois bem, mas estávamos falando de Lula. O seu discurso, logo depois da “condução coercitiva”, estava eivado desses duos opostos: “nós e eles”; “povo e elite”; “ricos e pobres”. O juiz Sérgio Moro dera o mote e, como Lula pode ser tudo, menos trouxa, aproveitou para nadar de braçada, reunificar a militância e pôr o bloco na rua.

Mas, caso se olhe um pouco para trás, ver-se-á que Lula também frequentou a Casa Grande, sem observar que era tolerado, porém não aceito. A história do Brasil tem vários exemplos de outsiders que tentaram fazer parte do clube, mas foram barrados no baile.

O exemplo mais patético do desprezo com que a “elite” trata os despidos de pedigree é o almoço no jornal Folha de S. Paulo para o qual Lula foi convidado quando era candidato a presidente da República (2002).

O fato foi narrado pelo jornalista Ricardo Kotscho, então assessor de Lula, no livro “Do golpe ao Planalto – Uma vida de repórter”:

“Assim que os comensais sentaram à mesa, (Otávio) Frias Filho disparou a primeira pergunta: se Lula se sentia em condições de governar o país, mesmo sem ter se preparado para isso, não sabendo nem falar inglês. O candidato fez uma expressão de incredulidade, olhou para mim (Kotscho) como quem diz: ‘E eu tinha que ouvir isso?’, engoliu em seco e deu uma resposta até tranquila diante daquela situação constrangedora”.

Segundo Kotscho, o tom hostil permaneceu nas intervenções, até que Lula reagiu: “O senhor me desculpe (falando para Otávio Frias, pai), mas eu não posso mais ficar aqui. Vou embora. Não posso aceitar isso em nome da minha dignidade”.

Observem, não era uma entrevista, na qual perguntas mais duras são permitidas e necessárias. Lula atendia a um convite para conversar com a direção do jornal sobre o seu programa de governo.

Esse episódio deveria ter acendido todos os sinais de alerta em Lula, servido-lhe como amostra do mundo sedutor que ele estava prestes a alcançar, mas que não era dele.

Lula já disse considerar inexplicável a rejeição e o temor da “elite” em relação a ele, pois empresários e banqueiros nunca haviam ganhado tanto dinheiro como no governo dele. (A explicação, Lula, é que você não é da turma.)

Porém, não adianta agora Lula apelar para os “amigos” que o seduziram quando estava no exercício do poder – e hoje lhe viram as costas. Na hora do aperto, o ex-líder operário precisou voltar às suas origens, lustrando o discurso que lhe possibilitou a escalada.

NOTAS

Nem tudo é permitido
É inegável que os programas sociais implementados no governo Lula tornaram o Brasil melhor. Mas isso não quer dizer que se deve aceitar dele qualquer malfeito. Cada instante da vida de uma pessoa é uma encruzilhada, que a põe à prova.

Manifestação
Os partidários do impeachment de Dilma Rousseff têm manifestação marcada para hoje. Depois da “condução coercitiva” de Lula, o PT também resolveu ir para as ruas na data. Conflitos poderão ocorrer.

Na essência
O dead line (prazo final de entrega ao editor) deste texto é terça-feira. São tempos de mudanças políticas velozes, mas creio que a essência do artigo se sustenta em qualquer situação.

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