Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 27/3/2016 do O POVO

CarlusLinguagem: o dito, o entredito e o interdito
Plínio Bortolotti

Primeiro, quero deixar bem claro: se existe alguma justificativa – legal ou não – para divulgar as gravações do grampo nos telefones do ex-presidente e ministro(?) Luiz Inácio Lula da Silva, foi de uma canalhice sem par tornar públicas as conversas particulares, especialmente uma em que dona Marisa, mulher de Lula, fala com um filho do casal.

No caso dessa gravação, em que mãe e filho têm uma conversa banal, apenas uma mente doentia ou vingança do juiz de Curitiba, secundado pela velhacaria de uma certa imprensa, podem explicar a publicidade do conteúdo. Não havia o mínimo interesse público na ligação. Os dois trocavam impressões sobre os batedores de panela e dona Marisa diz um palavrão. Ou seja, o único objetivo da publicidade foi o de carimbá-la como uma mulher vulgar.

Além disso, a divulgação dos telefonemas foi flagrantemente ilegal, de acordo com a lei das interceptações telefônicas (9296/1996), que proíbe sua publicidade, mesmo quando o processo se torna público (art. 8º). E, quando há conversas particulares, elas devem ser destruídas no inquérito (art. 9º). (Veja abaixo, em “Notas”.)

Dito isso, a maioria do que foi dito nas gravações expressa o que todo mundo já sabe: pessoas e todos os grupos humanos, sociais, familiares ou profissionais, têm uma forma de expressar-se publicamente e outro modo de conversar particularmente e no seu meio restrito.

(Aos jornalistas que se mostraram escandalizados, pergunto: o que aconteceria se fosse divulgada a gravação de uma reunião de pauta?)

Além disso, há certas brincadeiras sancionadas com as pessoas com as quais se têm mais intimidade, que nunca se faria com alguém fora do círculo de amizade. Digamos, os cearenses, habituados a tratar carinhosamente os amigos mais próximos de “corno”, “mói de chifre”, “baitola”: imaginem se o negócio fosse retirado do contexto, com que cara ficaríamos?

Dito isso, o mais chocante foi a referência aos pobres em duas dessas gravações. Na verdade, uma delas, o depoimento de Lula à Polícia Federal, portanto, algo extremamente formal. Quando lhe perguntou o delegado se visitara o famoso triplex no Guarujá, Lula confirmou, mas disse que não quis ficar com o imóvel – de 215 m² – por ser “pequeno”, do tipo “Minha Casa, Minha Vida”, comparou.

Suponho que Lula saiba que uma casa do programa tenha 20% do tamanho do apartamento que ele considera “pequeno”. Ainda que ele tenha o direito de querer um triplex melhor, a comparação foi, no mínimo, infeliz, ao desprezar o programa para os pobres, que ele mesmo criou.

A outra não foi de responsabilidade de Lula. Ele apenas ouve e ri do prefeito do Rio, Eduardo Paes, quando este, em tom que mistura gracejo e crítica, diz ao ex-presidente: “O senhor não perdeu sua alma de pobre, é a maior desgraça que estou vendo nesse processo todo”, depois de ter dito que Lula havia comprado um “barco de merda” e um “sitiozinho vagabundo”. É o que sempre digo: por um motivo ou por outro, Lula ainda não ascendeu ao clube da elite.

Dúvida: Lula mantém mesmo “alma de pobre” ou está naquele limbo, entre uma coisa e outra – uma luta infernal entre o céu da elite que o atrai (mas que o rejeita) e a fidelidade àquilo que ele era e que terminou por levá-lo à presidência como representante do interesse dos de baixo?

NOTAS

Interceptação telefônica
Artigo 8º da lei 9296/1996: “A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas”. Observe que, mesmo o processo se tornando públicos, as gravações devem ser preservadas.

Lei 9296/1996
Mas, aceitemos que o artigo 8º comporta mais de uma interpretação. No entanto, o artigo 9º não deixa dúvida nenhuma de que conversas particulares não devem nem constar do inquérito, quanto mais tornarem-se públicas.

Artigo 9º
Diz o artigo 9º: “A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada”.

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