Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno People, edição de 5/6/2016 do O POVO.>>>>

CarlusA presidente Dilma, a Globo e a Folha>>>>

Em coluna recente, escrevi que, mesmo reconhecendo os equívocos do Partido dos Trabalhadores na condução do governo, isso não desculpava a forma desequilibrada como a imprensa vinha cobrindo a crise econômica e política. (“O PT errou, a imprensa também”, 22/5/2016.)

Havia uma pressão imensa para o afastamento da presidente e, para isso, detalhes transformavam-se no principal e questões importantes escorregavam para o pé da página. Os colunistas (de rádio, jornal e TV), com raras exceções, revelaram-se mais como advogados de acusação do que propriamente jornalistas.

Há um diálogo muito elucidativo a respeito da imprensa na gravação que o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, fez da conversa com o presidente do Senado, Renan Calheiros. O assunto era a cobertura da crise pela imprensa, ainda antes do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Renan reproduz uma conversa com a presidente, ela lhe contando o encontro com os proprietários de dois dos mais influentes meios de comunicação do País: Otávio Frias Filho (Folha de S. Paulo) e João Roberto Marinho (Grupo Globo).

Renan Calheiros, a respeito de João Roberto Marinho (vice-presidente Institucional e Editorial do Grupo Globo): “Ela (a presidente) me disse que a conversa dela com João Roberto (Marinho) foi desastrosa. Ela reclamou (da cobertura) e ele disse que não tinha como influir. Ela disse que (Marinho) tinha como influir, porque ele influiu em situações semelhantes, o que é verdade. E ele disse que está acontecendo um efeito manada no Brasil contra o governo. (Em outro trecho) O João com aquela conversa de sempre, que não manda. Dilma disse: ‘Vocês tratam diferentemente de casos iguais. Nós temos vários indicativos’, com ele finalmente dizendo novamente que ‘isso virou uma manada, uma manada, está todo mundo contra o governo’”.

Renan, a respeito de Otávio Frias Filho (diretor de Redação da Folha): “A conversa com Otavinho foi muito melhor, porque Otavinho reconheceu que tem exageros, eles próprios têm cometido exageros”.

A primeira coisa a dizer: é extremamente comum dirigentes e editores receberem queixas a respeito de coberturas – de todos os lados -, de indivíduos, de associações, de sindicatos, de empresários, de trabalhadores, de religiosos e tudo o mais. Ressalve-se que nada há de errado com reclamações do tipo; se fundamentadas, corrige-se.

Frias Filho sai-se bem melhor, diretor de Redação do jornal, chama a responsabilidade para si e reconhece “exageros”, segundo o relato de Renan. Poderia, da mesma forma, dizer que a cobertura estava absolutamente correta, sem fugir às suas responsabilidades.

João Roberto, vice-presidente Editorial, age como Pilatos, diz que não tem como interferir, mas reconhece um “efeito manada”. Ora, que tipo de dirigente é esse que assiste passivamente sua empresa ser arrastada pela manada e não dá um freio de arrumação na bagunça?

Sair-se-ia melhor, mantendo sua autoridade, se dissesse que todos estão contra o governo e a Rede Globo resolveu ficar também – se assim fosse. O que depõe contra o vice-presidente é a (suposta) letargia frente a uma situação que ele reconhece(?) negativa: o tropel da manada. (De qualquer modo, seria preciso crer que, de fato, o vice-presidente não apita nada dentro da Globo.)

É preciso completar dizendo que, nas casas de comunicação dignas desse nome, os proprietário ou dirigentes não costumam ficar olhando por sobre os ombros dos jornalistas, mas influem na condução geral dos trabalhos, muitas vezes agindo como um poder moderador, para que o equilíbrio seja mantido.

NOTAS

Globo
Em nota, João Roberto Marinho justificou-se: “Sempre que me pedem para interferir no noticiário a favor de um grupo ou de outro, minha resposta é sempre a mesma: não posso mandar que se interfira nos fatos, pois um veículo de imprensa deve tudo noticiar livremente”.

Resposta
A habilidade com que foi redigida a nota esconde que – tendo-se como verdade a fala do senador Renan Calheiros – a presidente Dilma não pediu para ele “interferir nos fatos”, mas para corrigir os rumos da cobertura que, para ela, parecia desequilibrada.

Folha
Isso depreende-se da conversa dela com Otávio Frias Filho, pois Dilma deve ter-se queixado da mesma coisa, e ele reconheceu “exageros” – sempre na versão de Renan, que não foi contestada.

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