Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 19/9/2016 do O POVO.
Frei Betto, Fidel e a religião
A primeira edição do livro é de 1985. Eu tinha conhecimento da obra, “Fidel e a religião”, de Frei Betto, mas nunca tivera curiosidade de lê-la. Uma nova edição deste ano, da Fontanar, caiu-me às mãos, pois a diretora de Redação do O POVO, Ana Nadaff, julgou que poderia interessar-me. São livros que as editoras enviam às redações como “cortesia do editor” para propiciar resenhas ou comentários.
Alguns livros se salvam, este aqui resenhado mais por ser um fenômeno de vendas – e por ter contribuído para a distensão religiosa em Cuba – do que pelo conteúdo: uma espécie de hagiografia de Fidel Castro. A “conversa” prometida no título é mais um longo monólogo (341 páginas) do que propriamente um diálogo.
Na ocasião do encontro entre Frei Betto e Fidel, iniciava-se a aproximação do regime cubano com a Igreja Católica. Era também o momento em que a Teologia da Libertação fortalecia-se na América Latina.
O autor gravou 23 horas de entrevista, mas suas perguntas tinham apenas o objetivo de ser uma espécie de gatilho para disparar o discurso de Castro. Em favor de Frei Betto, diga-se que ele não promete uma obra jornalística ou crítica. Assume ser admirador de Fidel Castro e do regime cubano, tanto é que termina o livro com a seguinte frase: “(A importância histórica da entrevista) fez-me sentir pequeno, como se carregasse um peso superior às minhas forças. Inundam-me uma fraterna admiração por Fidel e uma silenciosa oração de louvor ao Pai/Mãe”.
A parte mais interessante do livro é o seu prólogo, em que Frei Betto narra como conheceu Fidel, quando participavam de um evento comemorativo ao primeiro aniversário da Revolução Sandinista, na Nicarágua.
Nesse encontro, Fidel aponta parentesco entre o cristianismo e o comunismo. Para o líder cubano, uma sociedade sem classes “produziria o reencontro com o cristianismo dos primeiros tempos em seus aspectos mais justos, mais humanos, mais morais”.
Abstraindo-se a distância entre teoria e prática, tanto do comunismo quanto do cristianismo, algumas consignas socialistas parecem retiradas diretamente da Bíblia.
“A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era comum.” (At 4, 32) “Nem havia entre eles nenhum necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casa vendiam-nas (…) Repartia-se então a cada um deles conforme a sua necessidade.” (At 4, 34, 35)
Propriedade coletiva; de cada um de acordo com as suas possibilidades, a cada um de acordo com suas necessidades – são políticas que também estão no centro da teoria comunista.
Mas a comparação de Fidel faz mais sentido quando se entende que, realmente, o comunismo é uma espécie de religião – com seus convertidos, mártires, sacerdotes e fiéis – e que também promete o céu: uma sociedade perfeita, que será construída pelo “homem novo”, nascido dos escombros da velha ordem.
O problema é que qualquer organização que se arroga detentora da Verdade julga-se no direito de impor sua moral a ferro e a fogo, condenando à morte os desviantes. A Igreja Católica fez isso na Idade Média e Stálin (o sacerdote-mor da religião secular) foi o responsável pela morte de milhões de pessoas na antiga União Soviética, fora a caça aos “hereges” com os processos de Moscou.
A Igreja deixou de caçar bruxas e fez seu “aggiornamento” no século passado, mas, agora, se vê às voltas com grave pecado da pedofilia entre seus sacerdotes – e amarga a perda de fiéis; o comunismo cubano passa por uma crise que o faz abandonar antigos dogmas e hoje busca a salvação do que restou do naufrágio.
Talvez tenha sido mesmo um bom momento para a reedição do livro de Frei Betto.
NOTAS
Discordância
No decorrer do livro, uma discordância entre Castro e o frade dominicano. Fidel diz que a Igreja tem abordar de “forma realista” o controle de natalidade, devido à superpopulação mundial. Frei Betto responde afirmando que a Igreja Católica aceita o controle “dentro do conceito da paternidade responsável”. (Mas o fato é que, na real, a Igreja aceita, no máximo, a “tabelinha”.)
Frases de Fidel
1) “Tenho a minha convicção de que Cristo foi um grande revolucionário”. 2)“Os ensinamentos de Cristo (…) coincidem totalmente com o objetivo de um socialista, de um marxista-leninista.” 3) “Marx poderia ter subscrito o Sermão da Montanha.” 4) “Há dez mil vezes mais coincidências entre cristianismo e comunismo do que as que poderia haver com o capitalismo.”
Caro Sr. Plinio
Sou assinante do Jornal O Povo. Gostaria que o senhor não utilizasse o jornal para difundir as suas convicçőes pessoais e sim transmitir aos leitores que se utilizam deste meio de comunicaçāo, uma analise IMPARCIAL da realidade brasileira. Eu, como cidadão, nao sou a favor de partido A, B ou C, enquanto que o senhor demonstra claramente um direcionamento partidario. Estou lhe escrevendo para que o senhor faça uma reflexāo sobre a sua conduta e procure der imparcial nas suas próximas análises. Não me refiro a esta postagem especifica, mas ao conjunto de postagens que vem fazendo.
Caro Cláudio Gadelha,
Agradeço pelos seus conselhos.
Com atenção,
Plínio
Não acredito que devamos “perder tempo” com figuras como Frei Betto e seus untuosos por alguma possibilidade de aprendermos algo verdadeiro ou termos um diálogo sincero. Alguém que “prega” a paz, o amor e a “justiça social” ao mesmo tempo em que defende tiranos assassinos como Fidel Castro, Mao, Che e outros já perdeu a tempo o merecimento de respeito.
João Paulo II, vítima do comunismo, sempre se opôs a Teologia da Libertação Marxista.Sublinhou por diversas vezes que o comunismo usava a igreja para se sobressair entre os mais humildes (fato também lembrado por Francisco). O perigo, ressaltava JPII, era que alguns teólogos da libertação, utilizavam-se de teses e metodologias provenientes do marxismo.
Betto, que não tem nada de frei, está do outro lado da cristandade.
Ok, Diego,
Você sempre sabendo onde as pessoas devem estar, desde que seja onde você queira.
Just my opinion.
Gostei da resenha. Quanto à qualificação do comunismo como “religião” sugiro, caso você ainda não tenha lido, o texto de Hannah Arerndt: Política e Religião que está no livro “A Dignidade da Política”, publicado, salvo engano, pela Relume Dumará. Ainda que tenhamos que tomar certo distanciamento com relação ao momento em que o texto foi escrito, penso que a autora problematiza a contento a utilização da expressão “religião secular” para designação das ideologias totalitárias.
Abraço e felicitações.
Olá, João Manoel,
Agradeço pela indicação. De Hanna Arendt li apenas “Eichmann em Jerusalém” e “As origens do totalitarismo”.
Abraço.