Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, edição de 22/9/2016 do O POVO.

Procuradores acima da lei

A bem da verdade factual, é preciso esclarecer que nem o procurador Deltan Dalagnoll nem seu colega Roberson Pozzobon pronunciaram a frase “Não temos prova, mas temos convicção”, na entrevista-espetáculo na qual denunciaram o ex-presidente Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A Associação Nacional dos Procuradores da República correu em defesa de seus representados para criticar a “deturpação” da sentença atribuída aos rapazes de Curitiba. E, como é próprio de certas corporações, que não veem além do próprio umbigo (e dos seus salários), esqueceu-se de chamar atenção para a performance circense dos funcionários do Ministério Público, que tem a obrigação de servir à sociedade com sobriedade e nos limites da lei.

Mesmo sem pronunciar literalmente a frase, os procuradores abusaram da palavra “convicção” e foram econômicos em revelar provas que pudessem sustentar a tese central do libelo acusatório. Nada de concreto para escorar as sentenças de efeito: “Grande general”; “comandante máximo”; “maestro de uma grande orquestra concatenada para saquear os cofres públicos” – referências a Lula – e “propinocracia” para referir-se ao seu governo. Tanto é que os motivos para a aceitação da denúncia pelo juiz foram outros.

As ruidosas orações foram lançadas na exata medida para gerar manchetes em jornais. E muitos morderam, inocentemente é claro, a isca lançada pelo MP. Posso imaginar os procuradores antegozando a acusação sumária a que o denunciado seria submetido por certa imprensa.

Essa investida do Ministério Público vai no mesmo sentido da perigosa proposta do juiz SérgioMoro de que a legislação passe a aceitar provas colhidas por meios ilícitos, desde que de “boa-fé”.

O combate à corrupção não pode se transformar em vale-tudo, que fatalmente comprometerá a democracia. Menos ainda tornar-se vingança pessoal, como vem se insinuando.

Como se diz por aí, ninguém está acima da lei, nem mesmo certos procuradores, que se veem proprietários da boa-fé e da Verdade, como se fossem enviados divinos.

PS. 1) Na coluna “Menu Político” (domingo) volto ao tema. 2) Hipócritas que até ontem aplaudiam o espetáculo estão descendo das arquibancadas.

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