Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 16 de outubro de 2016 do O POVO.


menuVotos nulos, brancos e abstenções

revelam decadência do sistema político

Já repeti algumas vezes que o grande mal causado pelo Partido dos Trabalhadores foi provocar a descrença na política em mais de uma geração de brasileiros, que acreditou em suas propostas: jovens, operários e movimentos sociais.

O PT surgiu em um momento de ebulição popular, depois que os metalúrgicos do ABC escancaram a brecha da “abertura lenta, gradual e segura” da ditadura militar, liberando a tremenda energia social reprimida, que ansiava por democracia e liberdade.

Milhões de pessoas enxergaram no PT a oportunidade para iniciar uma nova fase na vida política brasileira, tanto é que deu quatro mandatos presidenciais ao partido, além de governos estaduais, centenas de prefeituras Brasil afora e um grande número de parlamentares nos legislativos municipal, estadual e federal.

Se uma parte dessa expectativa foi atendida – mais atenção às áreas sociais, por exemplo – os muitos pontos negativos geraram frustração imensa.

Porém, o objetivo do texto não é polemizar sobre os motivos que levaram a esse desânimo, ainda que se possa listar alguns ingredientes: os próprios erros do PT (em primeiro lugar, de propósito); a antipatia que a chamada “mídia” passou a nutrir pelo partido, depois que este assumiu o poder; a rejeição de um segmento da classe média ao ver alguns espaços antes exclusivos ser invadido por pobres; o ódio que a elite sempre devotou à “bandeira vermelha” e também a preferência de certos procuradores em escacaviar qualquer deslize do PT, dando refresco aos partidos com os quais simpatizam.

De outro grupo, partidos e siglas de aluguel, nem é preciso listar a parte que lhes cabe pelo desencanto com a política. São aquilo que sempre foram, um amontoado disforme para defender interesses particulares ou de grupos restritos.

Acrescente-se a isso a percepção generalizada (e verdadeira) que os políticos vivem em uma espécie de mundo paralelo, que nada tem a ver com o Brasil real: o local onde dão expediente tem do bom e do melhor, ainda que isso custe muito caro (ao contribuinte); têm os maiores salários do mundo (comparado a congêneres de outros países); gozam de atendimento médico gratuito nos melhores hospitais (extensivo às famílias); trabalham três dias por semana e têm férias duas vezes ao ano. Por aí vai, pois devo ter esquecido uma ou outra benesse.

Para proteger essa contrafacção da realidade, o sistema político afasta as pessoas dos centros de decisão. Por isso, o brasileiro é chamado a participar das eleições, a “festa da democracia” e, depois, é obrigado a ver os eleitos agirem em seu nome sem lhe prestar contas. E, pior, sem poder fazer nada. No Brasil, inexistem instrumentos eficazes – e fáceis de acionar – para o exercício da democracia direta, como plebiscito (inclusive revogatório de mandatos), consultas, leis de iniciativa popular, entre outras.

Talvez isso ajude a explicar a avalanche de votos brancos, nulos e abstenções (pessoas que deixaram de votar) nas eleições deste ano. Nulos, brancos e abstenções, somados, superaram o candidato mais votado em dez capitais. No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, esta soma superou os votos obtidos pelos dois primeiros colocados, juntos. Do mesmo modo, esse tipo de protesto obteve mais adesões do que o segundo colocado em 11 capitais, incluindo Fortaleza.

Esses resultados mostram a derrocada do atual sistema político e a ojeriza ao modus vivendi a que essa espécie chamada politicus brasilienses habitou-se.

NOTAS

Voto livre
Em 205 países do mundo, votar é facultativo; em 24 países é obrigatório, sendo 13 na América Latina, incluindo o Brasil

Aborrecimento
Mesmo havendo a possibilidade de justificação ou pagamento de multa (pouco mais de três reais por turno) para quem não vota, há sempre algum transtorno. Isso torna ainda mais relevante o fato de tantas pessoas optarem por não votar, preferindo enfrentar aborrecimentos posteriores.

Crítica Radical
No Ceará, o grupo Crítica Radical faz campanha pelo não comparecimento às urnas. No primeiro turno seus integrantes fizeram manifestações em várias seções eleitorais instando as pessoas a desistirem de votar.