Reprodução da coluna “Política”*,  edição de 4/11/2016, do O POVO.

Vila Vicentina: como dona Fátima “descobriu” a Zeis

“Nosso objetivo é não sair daqui, principalmente agora que descobrimos que essa área é uma Zeis”, me diz por telefone dona Fátima, 57 anos, 21 deles morando da Vila Vicentina, um conjunto de casas simples, encravado no coração da Aldeota, um dos metros quadrados mais caros de Fortaleza.

Dona Fátima anuncia a “descoberta” da “Zeis” com o orgulho de quem toma consciência de seus direitos. As Zonas Especiais de Interesse Social foram incluídas no Plano Diretor de Fortaleza justamente para proteger pessoas como ela. As Zeis são áreas – de propriedade pública ou privada – destinadas prioritariamente à regularização de assentamentos habitacionais para pessoas de baixa renda. Justamente o que é a Vila Vicentina.

CIDADÃOS DE BEM
Apesar disso, uma liminar judicial concedeu a reintegração de posse ao Conselho Central de Fortaleza da Sociedade São Vicente de Paulo, uma associação de caridade religiosa, porém leiga, proprietária do terreno. No fim do mês passado, um oficial de Justiça, acompanhado de policiais e de tratores, iniciou o cumprimento da ordem judicial, aproveitando para demolir oito casas, que já estavam desocupadas.

As pessoas de bem desta Terra de Sol, aquelas que lutam pelos direitos humanos e pela defesa dos mais frágeis, mobilizaram-se imediatamente e promoveram um empate no local, conseguindo brecar o desatino.

ESCRITÓRIO FREI TITO DE ALENCAR
Entre outras pessoas e entidades que ajudaram dona Fátima a “descobrir” seus direitos, está o Escritório de Direitos Humanos Frei Tito de Alencar. Seus advogados entraram com recurso pedindo a revisão da sentença provisória. O mesmo juiz que autorizara o deslocamento dos moradores, José Cavalcante Júnior, da 27ª Vara Cível, reformou sua decisão, mandando sustar a reintegração de posse.

Maiara Justa, advogada do Escritório Frei Tito de Alencar, diz que estão agindo em várias frentes para defender a permanência dos moradores em suas casas. Além de agir judicialmente, ela informa que estão conversando com o Conselho de Habitação da Prefeitura para criar os mecanismos legais para regularizar a Zeis da Vila São Vicente de Paulo, instituindo um conselho de gestão entre, outras providências. Ela diz ainda que representantes do Conselho Central de Fortaleza da Sociedade São Vicente de Paulo estavam em reunião realizada esta semana na Prefeitura, mas não quiseram se pronunciar.

DIONÍSIO TORRES
A Vila Vicentina foi criada em 1940, em terreno doado por Dionísio Torres, que era dono de extensa área de terra no bairro, que hoje leva seu nome. O objetivo era acolher idosos desamparados. Segundo dona Fátima, nas 42 casas da vila moram pessoas com até 101 anos de idade, algumas há 60 anos no local.

SOCORRO
Algum jurista ou advogado me socorra, por favor, para que eu possa entender os critérios de um magistrado ao conceder uma liminar. Vou à pesquisa e descubro que um juiz ao dar essa decisão provisória precisas observar o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”.

O primeiro, a “fumaça do bom direito”, vá lá, é um negócio meio subjetivo; fumaça vê quem quer e onde quer. Porém, o “perigo da demora” remete a um dano irreparável, que depois ficaria difícil consertar.

O QUE A JUSTIÇA PENSA?
Portanto, qual seria o prejuízo maior: a expulsão sumária dos moradores ou os interessados na venda do terreno esperarem o desfecho do processo? E se, ao fim, os moradores, a parte mais fraca da demanda, ganharem a causa, quem lhes pagará o prejuízo? A Justiça mandará derrubar o edifício que se pretende ali construir? Isso é levado em conta pelo Judiciário?

*Em substituição ao titular, Érico Firmo.

Tagged in: