Reprodução da coluna “Menu Político”, edição de 18/12/2016 do O POVO.

Como a privatização da política leva
ao desvio de milhões de reais

“O propósito da empresa, assim, era manter uma relação frequente de concessões financeiras e pedidos de apoio com esses políticos, em típica situação de privatização indevida de agentes políticos em favor de interesses empresariais nem sempre republicanos”. Esse trecho está na abertura da “colaboração premiada” do diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho.

É muito educativa a leitura da íntegra do documento: são 82 páginas mostrando como é lubrificada a máquina da corrupção, que funcionou em todos os governos, e da qual se servem praticamente todos os partidos, principalmente os nomes mais influentes dessas agremiações, que podem entregar a mercadoria que vendem aos compradores: aprovação de leis e medidas provisórias, emendas, acesso a autoridades e trânsito livre pelos descaminhos de Brasília.

Do outro lado do balcão, estão os empresários, isto é, aqueles aos quais faltam ética e honestidade, porém lhes sobram recursos para bancar as extravagâncias de suas excelências, que vão desde presentes caros, almoços e jantares em restaurantes chiques, a (muito) dinheiro sonante para as campanhas eleitorais e para enriquecimento pessoal.

Claro que só os ingênuos pensam que o Congresso Nacional é uma reunião de freiras carmelitas; o mais trouxa dos parlamentares é capaz de consertar relógio no escuro; mas não deixa de ser chocante ver o relato de quem participou do negócio, expondo os mecanismos sórdidos de como a coisa funciona por dentro. É espantoso observar a naturalidade com que o roubo de milhões de reais era tratado como a coisa mais natural do mundo.

O depoimento está reproduzido na forma de um livro, separado por capítulos e subcapítulos. Por exemplo, o capítulo II: “Meus relacionamentos com agentes públicos centrais no Congresso Nacional”, com nove itens, entre eles “Meu relacionamento com Michel Temer”. Nesse trecho Melo Filho relata o encontro (2014) no Palácio do Jaburu, quando Temer (vice-presidente da República na época) teria pedido R$ 10 milhões diretamente a Marcelo Odebrecht.

Não será preciso remontar aqui a lista dos políticos que foram delatados por Cláudio Melo Filho. Ponha em um motor de busca o nome de qualquer um da cúpula do governo: Michel Temer, Romero Jucá, Eliseu Padilha, Moreira Franco, que a lista dos horrores aparecerá ante seus olhos.

O que interessa, na leitura do documento, é ver como Melo Filho discorre sobre a frase que poderia servir de epígrafe ao seu depoimento: “Tenho convicção de que, com meus relatos, deixarei clara a forma pragmática como funcionava a políticos nos bastidores do Congresso nacional”. Troque “pragmática” por “ilegal, desleal, imoral, antiética” e tudo o mais, e siga em frente: você vai vislumbrar a realidade paralela onde vivem esses caras.

Vai ver aprender como se montam as mais diversas tramoias que prosperam na Capital do País, cujo produto final é o rastro de desgraças que vai deixando pelo caminho, pois o dinheiro desviado por esses celerados faz falta na educação, na saúde, na geração de emprego. E o pior é que esse criminoso modo de agir é repetido Brasil afora em muitos governos estaduais e prefeituras: abra jornal e confira.

Ao fim da leitura, fica a impressão que o eleitor é um otário; que a democracia é uma farsa; e o que manda é o dinheiro e não os “interesses do país” ou qualquer outra frase edificante. Porém, um alerta: os problemas da democracia têm de ser resolvidos na própria democracia, pois os demagogos e salvadores da pátria costumam emergir nesses momentos delicados, com propostas que resolvem desde unha encravada até tumor no cérebro, em troca, exigem apenas a sua alma.

NOTAS

Perversão
Fico imaginando a cara desses sujeitos lendo o relatório da delação e se reconhecendo ali, na essência, mas tendo de negar publicamente. Mas creio que nem assim cai a ficha, e devem – por algum tipo de perversão – se sentirem injustiçados.

Atenção
Pelo menos na divisão da propina, havia parlamentares que se sentiam injustiçados, e reclamavam mais “atenção” da Odebrecht, que abria a bolsa para adquirir o político, se o julgasse importante para seus interesses. O documento também mostra que senadores e deputados pediam abertamente dinheiro à Odebrecht, estipulando as quantias que queriam receber.

Crédito
Para ler a íntegra do relatório do Ministério Público, que tem o selo de Documentação sigilosa entregue ao MPF.

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