Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 8 de janeiro de 2017 do O POVO.

carlusMinistério Público considera “associação criminosa”
grupo de jovens do Fora Temer

Com a voracidade que os acontecimentos se sucedem, talvez pouca gente se lembre da maior manifestação contra o presidente Michel Temer, ocorrida no dia 4 de setembro do ano passado. Nessa data, na cidade de São Paulo, 21 jovens (entre eles três adolescentes) foram detidos, quando se encontravam em local nas proximidades do ato para seguirem juntos até a manifestação, realizada na avenida Paulista.

O episódio ganhou destaque, pois dezenas de policiais participaram da operação, na qual foi usada até um helicóptero – e, mais ainda, porque se descobriu que entre os jovens estava infiltrado um oficial do Exército, o capitão Willian Pina Botelho, que se apresentava como “Balta Nunes”. Os manifestantes ficaram detidos por uma noite; no dia seguinte, um juiz mandou libertá-los, considerando as prisões ilegais.

A partir de um pedido de esclarecimento do deputado Ivan Valente (Psol-SP) sobre o motivo de o capitão Botelho estar infiltrado no grupo, o Exército respondeu que o militar investigava “possíveis ameaças” à passagem da tocha olímpica, na mesma data, em São Paulo. Segundo a nota, o oficial fazia “monitoramento”, portanto, não se tratava de “infiltração”, pois o grupo levado preso “não era uma organização criminosa”.

Pois bem, mesmo assim, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) encontrou elementos para denunciar 18 jovens, acusando-os de “associação criminosa” e “corrupção de menores”, pois três dos manifestantes eram adolescentes. Organização criminosa, diga-se, que se estruturava publicamente, usando as redes sociais, que, a propósito, meio pelo qual o tal “Balta Nunes”, o destemido 007 do Exército, aproximou-se do grupo.

É cada vez mais preocupante a forma como o Ministério Público vem agindo, como se fosse um poder sem qualquer controle e sem limites. Mais inquietante ainda é ver um estudo da organização Conectas, apontando a politização do Ministério Público de São Paulo. Para os pesquisadores, uma das formas “sutis” de controle ideológico seria o acompanhamento dos promotores recém-empossados pela Corregedoria, durante o período probatório. Segundo a Conectas, os admitidos precisam enviar relatórios mensais de suas atividades: denúncias realizadas, recursos impetrados, justificativas para processos arquivados. A Corregedoria atribui conceitos de “ótimo bom, regular e insuficiente” a esses procedimentos.

Não se trata, diz o pesquisador Rafael Custódio, de aferição disciplinar, de saber, por exemplo, se o novo promotor tem comportamento inadequado, ou se é afeito à prática de irregularidades no exercício funcional, mas de avaliar o teor de suas manifestações profissionais. Assim, diz Rafael, para ter bom conceito, o promotor tende a agir pensando na avaliação do corregedor – e não no que lhe dita a consciência.

Responsável pelo estudo, Evorah Cardoso afirma que, assim, os promotores são influenciados a adotar um modo de agir ligado a valores mais conservadoras e punitivistas, do ponto de vista penal. Essa análise ajusta-se perfeitamente à ação contra os jovens manifestantes: mesmo contra todas as evidências, o Ministério Público de São Paulo insiste em mandar para a cadeia 18 jovens que nunca tiveram uma única passagem pela polícia, e cujo crime foi o de exercer a liberdade de manifestação.

Está passando da hora de corrigir as distorções que se tornam cada vez mais evidentes no Ministério Público. E o melhor seria se essa crítica fosse iniciada pelo próprio MP, sob pena de cair na vala comum do descrédito, circunstância que, infelizmente, atinge várias hoje instituições brasileiras.

NOTAS

Prova futura
A Polícia justificou a prisão dos jovens alegando que eles “iriam” cometer crime. Como prova do delito futuro, o Ministério Público de São Paulo listou o perigoso material em posse dos manifestantes: uma “barra de ferro” e um “disco metálico” e, ainda, “produtos de enfermagem para realizar pequenos curativos”.

Máscaras
Outros jovens “transportariam” (o verbo no condicional é da denúncia) “máscaras e capuzes para ocultar a identidade de todos”. A propósito, os jovens dizem que a barra de ferro fora “plantada” pelos policiais.

Crédito
Com informações do El País, aqui  e aqui  e da Rede Brasil Atual.

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