Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 25/6/2017 do O POVO.

Associated Press penitencia-se da censura; Facebook busca facilitá-la

É de conhecimento geral que os principais jornais brasileiros apoiaram o golpe civil-militar de 1964 sob a desculpa de que havia “clamor popular” pedindo a deposição de João Goulart. Na verdade, ocorria o inverso: o governo de Jango tinha o apoio das camadas mais pobres, porém era odiado pela elite empresarial e financeira.

À medida que a truculência foi aumentando, os jornais passaram a conviver com censores na redação, a praticar a autocensura e a fazer concessões, mas iniciaram a oposição à ditadura. Em situação assim, como deveriam ter-se portado os jornais? Aceitar a censura, procurando fazer o melhor possível nas brechas e nas entrelinhas, ou rebelar-se, abertamente sob o risco de extinção, como aconteceu com o Última Hora e o Correio da Manhã?

Nazismo
A Associated Press, uma das maiores agências de jornalismo (texto e fotografia) do mundo, em relatório recente, está prestando contas agora de sua permanência em Berlim até 1941, “apesar do golpe nazista à liberdade de imprensa”, conforme reportagem publicada no El País. A agência está revisando todo o seu trabalho na Alemanha nazista: “A passagem da censura à autocensura” e “o silêncio sobre certos abusos do Ministério da Propaganda do III Reich”.Em 1933, o diretor da sucursal da AP em Berlim, Louis P. Lochner, justificou, ao escritório de Nova York, o fato de ter engavetado uma fotografia mostrando um policial obrigando um empresário judeu a andar pelas ruas, de calças curtas, e com um cartaz antissemita pendurado no pescoço. Escreveu Lochner na época: “Abomino a censura e me sinto muito mal por não poder informar tudo o que sabemos (porém) é mais importante permanecer aqui (em Berlim)”.

Em 1935, sob o mesmo argumento, a AP cumpriu a lei nazista e expulsou todos os seus empregados judeus. Para a historiadora alemã Harriet Scharnberg, a Associated Press aceitou as leis de controle da imprensa, “amoldando-se ao sistema de controle da imprensa da Alemanha nazista”.

Ajudando a censura
Vejamos hoje as grandes empresas da internet.

O Facebook está de olho no imenso mercado chinês, e seu executivo principal, Mark Zuckerberg, procura manter boas relações com os dirigentes do país, tendo se encontrado com o próprio presidente da China, Xi Jinping. Para ser aceito na China, o Facebook está desenvolvendo ferramentas para não deixar que determinados conteúdos apareçam em computadores e dispositivos móveis, dependendo da localização do usuário. O objetivo é ocultar a informação, capitulando à política chinesa de censura.

Por exemplo: notícias críticas ao governo seriam barradas, por algoritmos, em todo o território chinês. As informações são do jornal New York Times. O Facebook já restringe conteúdos em outros países, como Paquistão, Rússia e Turquia. Porém, o novo recurso seria mais um passo no controle da informação.

Segundo diz à coluna o articulista do O POVO e professor de Mídias Digitais W. Gabriel, em alguns casos os algoritmos jogam o conteúdo proibido (sexualidade, por exemplo, em países islâmicos) para o fim das consultas, onde raramente o internauta chega em suas buscas. Para ele, essa nova medida do Facebook abre um precedente perigoso. “Quem garante que isso não será usado para impor determinadas ideias ou favorecer a algum partido político?”, pergunta.

A outra pergunta é: quanto tempo demorará o Facebook para fazer um relatório reconhecendo que, em nome dos negócios, usou seu poder para ajudar ditadores, comprometendo a sua suposta missão de “Tornar o mundo mais aberto e conectado”?

NOTAS

TERCEIRIZAÇÃO
O Facebook não faria a censura diretamente, mas por meio de uma empresa “parceira” na China. Seria uma espécie de terceirização da censura.

EXPERIMENTO
Funcionários do Facebook entrevistados pelo New York Times disseram que o software de censura é um dos muitos experimentos discutidos para a possível entrada na China, o que não quer dizer que será posto em funcionamento.

CRÉDITO
El País: Mancha do nazismo persegue Associated Press; New York Times: Facebook cria ferramenta de censura para voltar à China.

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