Reprodução da coluna “Menu Político”, edição de 27/8/2017 do O POVO. ///

Quando o turista é mal-vindo ///

Ao ler este título: “Turismofobia em Barcelona: grupos radicais agora atacam turistas” (portal El País), com o subtítulo: “Pelo menos sete hotéis de Barcelona sofreram atentados este ano; país Basco também convoca manifestação”, a primeira pessoa de quem me lembrei foi Hélio Rôla, artista plástico que costumava enviar a um grupo de pessoas seu boletim eletrônico, o “Rolanet”, com textos filosóficos e as belas ilustrações de sua lavra. O Rolanet deixou de circular, porém Hélio continua ativo no Facebook.

Por essas leituras e em conversas com Hélio, fiquei sabendo que ele se considerava uma espécie de refugiado urbano, morando na Lagoa Redonda, depois de ter sido expulso pelo “turismo selvagem” de sua residência na Praia de Iracema. (Na nova casa, Hélio descobriu que estava na rota do aeroporto Pinto Martins – e os aviões sobrevoam-lhe a cabeça com seu barulho infernal nos horários mais inconvenientes, mas isso é outra história.)

Mas o caso é que, segundo o jornal El País, a saturação turística “parece ter se convertido na nova bandeira das juventudes da esquerda separatista da Espanha”. E isso se traduz na ação do coletivo separatista, Arran (“rente”, em catalão), que não se limita a Barcelona, “onde atacaram um ônibus e bicicletas de uso turístico”, mas também em outras regiões. Este ano, pelas contas do jornal espanhol, “pelo menos sete hotéis de Barcelona sofreram vandalismo por parte de grupos de esquerda anticapitalista que denunciam o excesso de exploração turística”.

Em contraponto a essa guerra contra o turismo, movida por jovens esquerdistas, escreve Paco Nadal, que mantém um blog sobre viagens no mesmo jornal. A partir de uma pichação em um muro de Barcelona, “All tourists are bastards” (todos os turistas são bastardos), ele ironiza a frase dizendo que quem a escreveu ou concorda com os dizeres são “aborígenes puros e nunca saíram de sua cidade para não serem tachados de turistas”. Mas diz ter certeza de que o autor “também saiu de férias alguma vez na vida”, mesmo que tenha sido para um lugar próximo, portanto, o pichador, além de “bastardo” é “cínico”, escreve Nadal.

O fato é que, como tudo na vida, a verdade deve estar em algum ponto no meio da confusão. Por óbvio, existe o turismo predatório: grupos barulhentos que passam pelos museus, mercados, praças e ruas como um bando de gafanhotos rapinantes, munidos de celulares, sem o mínimo interesse pelos costumes e pela cultura dos lugares visitados. Estes somente sabem(?) apreciar a paisagem pelo écran do “smartphone”, de onde saem as “selfies” com monumentos conhecidos ao fundo, para matar de inveja amigos e “seguidores”.

Mas também existe outro tipo de turismo: de quem viaja para procurar experiências novas, disposto a caminhar pelas ruas; a demorar-se nas paisagens e nos museus; aberto a experimentar uma vida diferente da sua e a olhar com profundo respeito para a beleza da diversidade humana – e da natureza.

Os turistas predadores confirmam a frase do filósofo francês Michel Serres, que conheci por intermédio de Hélio Rôla: “O turismo é uma guerra vulgar movida contra as pessoas, a paisagem e o sossego”.

Para os demais, pode-se aplicar as palavras de Paco Nadal, quando afirma que o turismo também proporciona o “intercâmbio de ideias, de projetos, de mestiçagens e de paz”. Ou como escreve Leila Guerriero: “Viajar para contar é, acima de tudo, isto: ver o que está lá, mas ninguém vê” (revista Serrote, edição especial para a Flip-2017).

NOTAS

ITÁLIA
Há várias cidades do mundo que estão saturadas pelo turismo em massa, nas quais providências oficiais são tomadas para conter os estragos. Na Itália, por exemplo, estuda-se a criação de controle para cidades e monumentos.

VENEZA
Paolo Russo, professor de gestão turística urbana na Universidade Rovira i Virgili, diz que os moradores de Veneza (Itália) “perderam a cidade” e que a situação “é irreversível”.

CRÉDITOS
El País: Turismofobia em Barcelona: grupos radicais agora atacam turistas, Nove lugares que odeiam turistas”; Facebook de Hélio Rôla.

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