Reprodução da coluna “Menu Político”, edição de 17/9/2017 do O POVO.//
Difícil encontrar paralelo no mundo ao comportamento de alguns magistrados brasileiros, que agem como se fossem popstars. E também de certos agentes do Ministério Público, especialistas em expelir lições de moral ao modo proselitista dos tele-evangelistas.
Para completar, a delação premiada, varinha mágica para substituir investigações, levou monumental porretada, depois de revelado o passa-moleque que o Ministério Público levou de Joesley Batista, livrando-se o empresário, momentaneamente, de qualquer ação penal.
Nos países em que a delação é considerada indício, e não prova, o depoimento precisa ser comprovado antes de se tornar público, e o delator só ganha os benefícios depois de o episódio ser comprovado por investigadores.
No programa “Debates do Povo” (rádio O POVO/CBN, 8/9/2017) o advogado Cândido Albuquerque, diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), disse haver atuado profissionalmente em um caso de delação internacional. Um criminoso, preso no Brasil, optou pela delação, afirmando conhecer o esconderijo de grande quantidade de drogas nos Estados Unidos. Segundo Cândido, o benefício acertado somente foi garantido ao delator depois de o FBI (polícia federal americana) ter encontrado o material.
No Brasil, a palavra de delator vira lei. No começo, quando atingia apenas o PT, ouviam-se aplausos gerais. Agora, que todo mundo entrou no rolo – com o monstro ameaçando seus próprios criadores –, forma-se uma frente ampla de partidos contra as delações.
A reação tornou-se possível pelo manejo espetaculoso das delações pelos agentes do MP, doidos por 15 minutos de fama; e por magistrados com vocação para celebridade. Essa forma de agir transfigurou esses senhores em “heróis do povo”, provocando terrível mal ao País, incluindo prejuízos ao próprio instituto da delação premiada.
Os procuradores do Rio, até agora, diferenciam-se positivamente dessa turma do barulho. Sóbrios, fazem entrevistas coletivas para explicar as operações – e, discretos, voltam ao trabalho. Eles têm, inclusive, o cuidado de variar o procurador que fala a cada entrevista, evitando fetichizar uma figura.
Quem também parecia fazer contraponto a juízes estrelados era Marcelo Bretas, do Rio. Mas, agora, vai a atos de apoio à sua pessoa e aparece em estreias de filme como se fosse personagem VIP. Assim, depois de ler entrevista dele ao jornal O Estado de S. Paul (2/9/2017) – na qual aparece posando com o cotovelo fincado em uma pilha de processos –, pergunto se não foi picado pela mosca púrpura da celebridade.
Bretas fala sobre acontecimentos íntimos de sua vida, entremeados por confissões de sua fé “religiosa evangélica”, incluindo leitura de trechos da Bíblia durante a entrevista. Ele faz questão de registrar divergência com o juiz Sergio Moro, afirmando que “nunca quis ser igual a ele”. Declaração dada, aparentemente, sem que o repórter houvesse feito comparação alguma.
A necessidade de Bretas em comparar-se a Moro talvez encontre resposta: 1) no campo da psicologia – ao expor passagens íntimas de sua vida, talvez almeje o mesmo destaque obtido pelo juiz de Curitiba; 2) nas artes cinematográficas – “Quero ser John Malkovich”; 3) ou, quem sabe, na Bíblia – “Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades. Tudo é vaidade” (Ec 1, 2).
A propósito, em sua coluna no O Globo (3/9/2017), o escritor Luis Fernando Verissimo registrou: “Assim como um Supremo muito ativista, juízes muito notórios deveriam nos assustar”.
NOTAS
ASSUSTADOR
“É Moro na terra e Deus no céu.” (Cássia Kis, atriz, Folha de S. Paulo, 3/9/2017.)
NO FUTURO
“Não descarto, no futuro, servir em diferentes posições públicas ou privadas.” (Daltan Dallagnol, procurador, deixando a porta aberta para possível candidatura.)
CRÉDITO
O Estado de S. Paulo, entrevista a Luiz Maklouf Carvalho: “Nunca quis ser igual a Moro, não sou”, diz Bretas; O Globo, coluna Luis Fernando Verissimo: Justiça.
“Entenda a “delação premiada”
“…
A delação premiada é uma técnica de investigação consistente na oferta de benefícios pelo Estado àquele que confessar e prestar informações úteis ao esclarecimento do fato delituoso. É mais precisamente chamada “colaboração premiada” – visto que nem sempre dependerá ela de uma delação. Essa técnica de investigação ganhou notoriedade ao ser usada pelo magistrado italiano Giovanni Falcone para desmantelar a Cosa Nostra.
A primeira lei a prever essa colaboração premiada no Brasil foi a Lei de Crimes Hediondos. Previa-se a redução de um a dois terços da pena do participante ou associado de quadrilha voltada à prática de crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo, que denunciasse à autoridade o grupo, permitindo seu desmantelamento (art. 8º, parágrafo único, Lei 8.072/1990). Já no crime de extorsão mediante sequestro, o benefício dependia que fosse facilitada a libertação da vítima (art. 159, § 4º, Código Penal). Posteriormente, passou-se a prever a delação premiada também para crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e contra a ordem tributária (art. 16, parágrafo único, da Lei 8.137/1990, incluído pela Lei 9.080/1995) e crimes praticados por organização criminosa (art. 6º, Lei 9.034/1995).
Porém, o instituto somente foi reforçado e ganhou aplicabilidade prática com a Lei 9.613/1998, de combate à lavagem de dinheiro. Essa lei passou a prever prêmios mais estimulantes ao colaborador como a possibilidade de condenação a regime menos gravoso (aberto ou semiaberto), substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e até mesmo perdão judicial (art. 1º, § 5º, Lei 9.613/1998). No mesmo sentido caminhou a Lei 9.807/1999, que trata da proteção de testemunhas (arts. 13 e 14, Lei 9.807/1999).
Posteriormente, ainda foram editadas as Leis 11.343/2006, prevendo a colaboração premiada para crimes de tráfico de drogas (art. 41), e a Lei 12.529/2011, que denominou a colaboração premiada de “acordo de leniência”, prevendo sua aplicabilidade para infrações contra a ordem econômica (arts. 86 e 87).
À exceção dessa última, todas essas legislações pecavam por não regulamentar essa técnica de investigação, o que sujeitava alguns dos colaboradores ao risco de caírem em um limbo jurídico e ficarem sujeitos ao decisionismo judicial. A Lei 12.529/2011 regulamentou mais especificamente o “acordo de leniência”, prevendo, além do evidente sigilo (art. 86, § 9º), que o colaborador identifique os demais envolvidos e forneça informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação (art. 86, I e II). Além disso, é preciso que, por ocasião da propositura do acordo, não estejam disponíveis com antecedência provas suficientes para assegurar a condenação, o colaborador confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações (art. 86, § 1º).
Todavia, um procedimento completo foi previsto apenas na Lei 12.850/2013, que prevê medidas de combate às organizações criminosas.
Os benefícios variam de perdão judicial, redução da pena em até 2/3 e substituição por penas restritivas de direitos (art. 4º).
Exige-se que a colaboração seja voluntária e efetiva (art. 4º). Esta é, aliás, uma das características marcantes da colaboração premiada: o benefício depende da efetividade da colaboração, isto é, de resultado. O resultado pode ser a identificação de cúmplices e dos crimes por eles praticados, a revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa, a prevenção de novos crimes, a recuperação dos lucros obtidos com a prática criminosa ou a localização de eventual vítima com sua integridade física assegurada (art. 4º, I a V).
O juiz não deve participar das negociações para formalização do acordo de colaboração. Apenas o colaborador, seu advogado, o delegado de polícia e o representante do Ministério Público participam (art. 4º, § 6º). Negociado o acordo ele deve ser formalizado contendo o relato do colaborador e eventuais resultados pretendidos, as condições da proposta do Ministério Público e da autoridade policial, a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor, as assinaturas de todos os participantes e a especificação de medidas de proteção ao colaborador e sua família (art. 6º).
O termo do acordo é então encaminhado, com cópia da investigação e das declarações do colaborador, ao juiz, para homologação (art. 4º, § 7º). Após a homologação, iniciam-se propriamente as medidas de colaboração (art. 4º, § 9º). Parte fundamental do acordo é que o colaborador renuncia ao seu direito ao silêncio e fica compromissado a dizer a verdade (art. 4º, § 14). Além disso, a Lei 12.850/2013 exige a presença de advogado em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração (art. 4º, 15º). A eficiência do acordo é julgada pelo juiz, na sentença (art. 4º, § 11), que não pode condenar apenas com base nas declarações do colaborador, devendo possuir meios de prova diversos (art. 4º, § 16).
Apesar de já ser aplicado desde a edição das primeiras leis que implantaram o instituto, a colaboração premiada pode se tornar um instituto com maior visibilidade e mais ampla utilização no processo penal brasileiro, a depender do deslinde da Operação Lava Jato.
…
Por Francisco Yukio Hayashi, advogado criminalista, sócio-fundador do Costa Ferreira & Hayashi Advocacia e Consultoria”
Sugiro aos leitores também
“LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013.
Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.”
Seção I Da Colaboração Premiada
Seção III Da Infiltração de Agentes
DIEGOLUZ EXPLIQUE ESSA DENUNCIA DA FOLHA SOB A ÓTICA DO CNJ….
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Caro Jornalista:
Segundo Leandro Karnal, o Brasil é vítima de quatro preconceitos : Homofobia, Misoginia, Racismo e Demofobia.
É sempre esperançoso ler seus comentários.
Vida Longa ….
Stélio Girão Abreu.
Mas rapaz…
Agora entendi a colaboração premiada, ou simplesmente pega ladrão,
Agora foice de São Paulo como referência é naturalmente desesperador.
Caro Carlos,
Por quê eu devo explicar algo que a porta voz do PT publicou no jornal?
E o quê tem haver a “fake news” com a explicação da lei e a própria lei?
Diego, você é um pândego. “Fake” é um sujeito que se acham “iluminado”, pense nisso, camarada — e mude o endereço de seu e-mail pra não passar vergonha. Eu só quero que você não deixe de “comentar” meus posts, pois você é a minha maior diversão.
“mas não se irrite!!!”
O “Fake” é alusão a folha e não a vc.
E por favor, sem bullying com meu nome. Assim ficou triste.