Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 19/11/2017 do O POVO.

O capitalismo nos levará à utopia comunista?

Já escrevi nesta coluna a respeito da renda básica universal, a propósito do livro “Utopia para realistas”, do historiador holandês Rutger Bregman. A renda mínima universal é uma espécie de “bolsa família”, que seria distribuída a todos os cidadãos, ricos ou pobres, de modo a garantir despesas básicas com alimentação, moradia e saúde.

Quem vê o Bolsa Família como “coisa de comunista” poderá ter uma síncope com essa proposta mais abrangente. Ocorre que os maiores defensores da renda básica universal são capitalistas. E grandes. Normalmente de empresas ligadas às novas tecnologias.

Um deles é Elon Musk, um dos fundadores da SpaceX (projeto para colonizar Marte), e presidente da Tesla Motors, empresa de fabricação de carros elétricos. Sua fortuna é avaliada em 21 bilhões de dólares. Ele diz que o trabalho vem sendo cada vez mais ocupado por máquinas, incluindo as atividades criativas, substituídas pela inteligência artificial. Para Musk, a renda básica pode ser a melhor solução para enfrentar essa nova realidade, em que milhões de indivíduos perderão seus empregos. A garantia de uma renda deixaria as pessoas com mais tempo para fazer “coisas mais complexas e mais interessantes”.

Com fortuna estimada em 56 bilhões de dólares, Mark Zuckerberg, dono do Facebook, também está entre os defensores da medida: “Chegou a hora de nossa geração definir um novo contrato social. Deveríamos explorar ideias como a da renda básica universal para garantir que todos tenham segurança para testar novas ideias”.

Outro bilionário favorável ao sistema de renda mínima é Sam Altman, sócio de uma empresa investidora em projetos da nova economia, como Airbnb, Reddit e Dropbox. E ele foi à prática: está financiando experimento na cidade de Oakland (Califórnia), que começou distribuindo, este ano, entre US$ 1 mil e US$ 2 mil mensais a 100 participantes, com o objetivo de aumentar para mil pessoas beneficiadas nos próximos meses.

No Brasil, o maior defensor da renda mínima universal é o vereador por São Paulo, ex-senador, Eduardo Suplicy. Em seu livro “Renda de cidadania – A saída é pela porta”, ele faz um histórico das propostas de renda mínima na história, citando Confúcio, Aristóteles, Jesus Cristo e Buda, como defensores da ideia, para afirmar que essa garantia teve a sua origem nos “primórdios da humanidade”. A proposta, diz Suplicy, teve adeptos como Thomas More (iluminista, autor de “Utopia”), Thomas Paine (um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos), Bertrand Russel (matemático e filósofo) e John Kenneth Galbraith (economista).

Suplicy também relata o caso do estado americano do Alasca, que paga renda mínima a cada um de seus habitantes, ricos ou pobres, adultos ou crianças. O programa começou em 1982 com um fundo constituído por 50% dos royalties recebidos pela extração de petróleo. O valor recebido varia: na década de 1980 era US$ 300 por ano; em 2000 chegou a US$ 1.900; e, em 2016, US$ 1.022 (aproximadamente R$ 3.360,00). Ou seja, uma família de quatro pessoas recebeu cerca de R$ 13.340 no ano passado, mais de mil reais por mês.

Mas será a tecnologia capitalista a nos levar utopia comunista sugerida por Karl Marx? Uma sociedade tão avançada que libertará o homem do trabalho pesado, deixando-o livre “para entregar-se ao estudo e ao pensamento”?

NOTAS

BUROCRACIA
Mas por que pagar a renda básica também para quem não precisa? Um dos motivos é a eliminação da burocracia. Porém, em um país justo, o fato de um rico receber esse dinheiro pouco representa, pois esse segmento social costuma pagar mais impostos.

SUPLICY
Na introdução de seu livro, Suplicy conta o “comovente encontro que teve com a escritora Carolina de Jesus”, no início dos anos 1960. Negra e favelada, ela acabara de publicar o livro “Quarto de despejo”, em forma de diário, contando a sua vida e a luta para criar os filhos. A obra tornou-a conhecida internacionalmente.

CRÉDITO
Época Negócios: Bilionários do setor de tecnologia embarcam no movimento da renda básica universal; Gizmodo Brasil: Elon Musk acha que precisaremos de renda básica universal num futuro sem trabalho.

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