Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, edição de 8/2/2017 do O POVO.
Sobre heróis e vilões
Sempre combati a ideia, disseminada por alguns pesquisadores de jornalismo, afirmando não existir a verdade, pois tudo seria “subjetivo”. A verdade é complexa e difícil de encontrar, mas existe. Creio mesmo que essa teoria – durante muito tempo desposada quase exclusivamente pela esquerda – está na origem das “fake news”. Se a verdade não existe, posso criar uma para o meu desfrute.
Mas não sou ingênuo para acreditar que uma coisa é verdade unicamente por estar impressa em letra de fôrma. Menos ainda supor que jornalistas tenham o dom da objetividade ou da imparcialidade absolutas. Porém, um profissional, aplicando conscienciosamente o método jornalístico, conseguirá apreender um bom recorte da realidade.
Porém, uma boa pergunta é: por que determinadas notícias ganham destaque enquanto outras somem ou se tornam irrelevantes. Por que, em certas ocasiões, há uma espécie de “frente” de colunistas de “grife”, todos concordando com a mesma coisa, seja em relação à reforma trabalhista ou da Previdência?
Desde há muito é conhecida a esculhambação do pagamento de auxílio moradia a juízes (e também ao Ministério Público). Fora outras prebendas da casta, como duas férias por ano, carro oficial com motoristas, etcéteras. Mesmo assim, o tema era abordado apenas lateralmente, sem que houvesse grande exposição, como está havendo agora.
E, diga-se, mostrando coisas feias: juízes como Sergio Moro e Marcelo Bretas, ambos com apartamento dignos de revistas chiques de arquitetura, recebendo alegremente o auxílio moradia. Bretas, a propósito, “pedindo” que a Justiça lhe conceda dupla bolsa-aluguel, a ele e à mulher, também juíza. O imaculado procurador Deltan Dallagnol, dono de imóvel em Curitiba, também recebe seu auxílio.
A Lava Jato surgiu como importante processo de combate à corrupção. Porém, no processo, foram tolerados pecadilhos, abusos e ilegalidades por parte de magistrados e procuradores. Em nome do combate ao “mal maior” juízes foram elevados à categoria de ídolos nacionais.
No artigo da semana passada, perguntei se abatido o principal inimigo, Lula, continuaria a sanha justiceira. Pelo jeito continua, mas quem está na berlinda hoje são os heróis de ontem.
Mailson da Nóbrega,
Marcelo Bretas, Sergio Moro e o desembargador Manoel de Queiros Pereira Calças mostraram que é hora, pois, de reconhecer que o auxílio-moradia, uma remuneração disfarçada, é renda para todos os efeitos. A Secretaria da Receita Federal deveria sugerir mudança legislativa para definir, de uma vez por todas, que vantagens como essas devem ser classificadas como renda pessoal e, portanto, ser tributadas pelo imposto de renda. Uma dessas vantagens, inacreditável, serve para os juízes comprarem livros. Nenhum outro assalariado goza desse benefício.
Auxílio-moradia e todos os penduricalhos constituem remuneração e, assim, devem ser considerados tanto para fins de tributação quanto para o cálculo do teto de remuneração.
Carlos Brickman,
Quando um repórter viaja a serviço, é reembolsado por diárias (seu limite de gastos: se gastar menos guarda o excedente, se gastar mais fica com o prejuízo) ou na prestação de contas, de acordo com as notas fiscais e relatórios de despesas. Caso seja transferido de cidade, o habitual é que se combine um prazo para que ele se estabeleça. Nesse prazo recebe hospedagem (ou aluguel), e refeições. Pagar moradia a quem já tem onde morar é coisa típica da burocracia estatal.
Branca Nunes,
Contemplada com um salário oficial de R$ 33.763, Gleisi ocupa um apartamento funcional de 230 metros quadrados numa área nobre em Brasília e não recebe auxílio-moradia. Em contrapartida, em 2017 torrou R$ 375.526,03, extraídos da “cota para o exercício da atividade parlamentar”, em aluguel de imóveis, locomoção, hospedagem, combustível e alimentação. O item “passagens aéreas, aquáticas e terrestres nacionais” engoliu R$ 157.565,08.
Outro campeão dos ares é o senador petista Lindbergh Farias. No ano passado gastou com passagens R$ 279.407,16 de um total de R$ 379.057,15.
Dono de um imóvel em Brasília, localizado no Lago Sul e avaliado em R$ 285 mil, o senador Paulo Paim não abriu mão do auxílio-moradia de R$ 5,5 mil mensais. Em 2017, o petista gaúcho gastou R$ 430.144,46 bancados pela rubrica “cota parlamentar”. Paim queimou R$ 121.906,92 em locomoção, hospedagem, alimentação e combustíveis. A farra não inclui os R$ 79.498,38 extras gastos com “Correios” em plena era da informática.
Caro Paulo Moreira,
Já escrevi várias vezes sobre o privilégio dos parlamentares, tão inaceitáveis quanto o dos juízes. Mas, como disse, agora é a vez de os magistrados ficarem na berlinda. Os parlamentares, por diversos motivos, já estão há muito tempo. Mas vamos ver se chegará a hora de intensificar o fogo cruzados sobre seus benefícios inaceitáveis. Será que será depois de votarem a reforma da Previdência.