Reprodução do artigo publicado na edição de 22/3/2018 do O POVO.

“Como cidadã…”

Uma das coisas mais ridículas, entre as tantas que campeiam por aí, é um sujeito – seja esportista, professor, juiz ou político – aparecer em público dizendo que está emitindo determinada opinião como “cidadão”, como se isso lhe permitisse expectorar qualquer bobagem.

Gostaria de saber como tais pessoas conseguem essa proeza: a de separar-se em duas personalidades, independente uma da outra, habitando o mesmo corpo e dividindo a mesma mente.

Suponho que tais figuras guardem um clone no guarda-roupa (ou no “closet”) e o acionam dependendo da situação. Dessa forma, o “profissional” nada tem a ver com o que diz o “cidadão” (e vice-versa). Assim, tais seres bifrontes ganham uma espécie de salvo conduto para falar qualquer asneira, pois a responsabilidade é do “outro”, criando assim uma espécie de pingue-pongue infinito.

Esse foi o caso da desembargadora Marília de Castro Neves (Tribunal de Justiça do Rio), que caluniou, difamou e injuriou Marielle Franco pelas redes sociais. Quando a chapa esquentou, a desembargadora declarou ter escrito suas mentiras “como cidadã”, como se fosse desculpa aceitável.

Os crimes cometidos pela desembargadora contra a vereadora assassinada no Rio estão inscritos no Código Penal. Calúnia (art. 138): acusar publicamente alguém de um crime. Pena: reclusão de seis meses a dois anos, além do pagamento de multa. Difamação (art. 139): ato de desonrar alguém espalhando informações inverídicas. Pena: três meses a um ano de prisão, com multa. Injúria (art. 140): dizer algo desonroso e prejudicial a alguém. Pena de um a seis meses de prisão, mais multa.

Depois do estrago feito, a desembargadora fez novo post em sua rede social afirmando ter agido “de forma precipitada”. Mas aí, ela já fora acompanhada na sórdida campanha pelo famigerado Movimento Brasil Livre (MBL), grupo de tinturas fascistas; pelo deputado Alberto Fraga (DEM), da Bancada da Bala, e mais a canalha da extrema-direita, que infesta a internet, destilando ódio, rancor e mentiras.

Mas a minha curiosidade é saber de que modo a Marília de Castro Neves, “como juíza”, julgaria a Marília “cidadã”, se coubesse à desembargadora apreciar os crimes cometidos pelo seu clone.

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