Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, 28/6/2018, O POVO.

Atrás das grades

Reportagem do jornalista Thiago Paiva (edição de 26/6/2018), mostra um caso exemplar – porém não incomum – de falha do sistema judiciário cearense, que deve repetir-se Brasil afora. Um homem ficou preso sete anos a mais do que deveria, caso a pena fosse aplicada corretamente

Pelos crimes de tentativa de furto, furto e receptação – nenhum com violência – o jovem, 20 anos à época, foi sentenciado a 5 anos e seis meses de reclusão. Pelo regime de progressão, deveria passar a cumprir a pena em liberdade no intervalo de dois anos. No entanto, ficou atrás das grades por 9 anos e 29 dias.

“Foi preso um jovem e saiu um homem semianalfabeto, sem profissão, enfermo (contraiu tuberculose no presídio), sem dinheiro e com família pobre no interior”, disse a defensora pública de Mato Grosso, Jacqueline Gevizier, que está no Ceará participando do programa Defensoria sem Fronteiras.

Desorientado e chorando, o rapaz disse à defensora ter o objetivo de “reconstruir a vida”. Porém, nas condições em que saiu da cadeia, ele pode ser tragado pelo destino: “No primeiro dia, passa fome, no segundo, mendiga, no terceiro, quando a situação apertar…”

Em resumo, o Estado, recusou-lhe a oportunidade de recuperação. Preferiu trancafiá-lo, destruindo-lhe a vida, em vez de aplicar pena alternativa, em que o punido pudesse ser útil à sociedade. Quem pagará por isso? Quantos mais homens e mulheres passam pelo mesmo drama, neste momento?

Enquanto a média nacional de presos provisórios (sem condenação) é de 34,4%, no Ceará o percentual sobe para 66%. Para Jacqueline Gevizier, o Judiciário cearense peca pelo “excesso de punitivismo”. Mas corre para discordar “completamente” o presidente da Associação Cearense de Magistrados, Ricardo Alexandre, afirmando que “as normas legais estão sendo cumpridas”. Confrontado com o caso real, ele evitou declarações, alegando não conhecer o processo.

Alguns juízes agem assim: quando querem expor sua opinião falam “em tese”; quando querem omiti-la, apelam para o desconhecimento da demanda, mesmo frente à realidade escancarada.