Nada mudou no sistema de comunicação desenvolvido por Jair Bolsonaro depois que ele deixou o papel de pedra para assumir o lugar da vidraça. Ele continua reagindo muito mal, sem aceitar nenhum tipo de crítica à “narrativa” construída por seus discursos toscos e por meio das redes sociais.

Assim, o relacionamento do novo governo com a imprensa será tenso, a não ser para os meios que se prestarem à vassalagem. A qualquer menção a Bolsonaro, que não seja elogiosa (e tem de ser bem explícita para ser entendida), a reação de sua tropa de choque é virulenta.

Até agora, o principal alvo dos Bolsonaros tem sido a Folha de S. Paulo, que está mordendo os calcanhares do presidente eleito com reportagens certeiras. A uma reportagem da Folha mostrando que há divergências políticas na família do eleito, assinada pelo jornalista Monica Bergamo, o deputado Eduardo Bolsonaro respondeu no Twitter: “A todo momento tentam criar intrigas e principalmente desgastar os filhos. Mas acredito que todos já sabem qual é a da @monicabergamo né? Se alguém ainda compra a Folha já pode economizar no papel higiênico”. É o nível.

A tática de comunicação utilizada pelos Bolsonaros é conhecida como “firehosing”, de “firehose” (mangueira de incêndio), que consiste em bombardeio constante de informações, sem nenhum compromisso com a verdade, ou seja, mentiras, de modo a criar um quadro confuso, um jorro imenso e sufocante (daí a analogia com a mangueira de incêndio) demandando respostas e esclarecimentos.

Essas falsidades – ou declarações feitas com o único objetivo de chocar -, por mais absurdas que sejam, acabam por se tornar temas centrais no debate, enquanto os assuntos relevantes são implementados em segundo plano pelos bolsonaristas. Por isso não importa se uma coisa dita ontem é desmentida hoje, proferida novamente e negada de novo, em uma espécie de moto-perpétuo.

Desqualificar qualquer informação dos meios tradicionais ou de qualquer outra fonte que não parta do interior da seita é essencial nessa estratégia. Ataques em massa contra qualquer voz divergente, criar inimigos imaginários (“ideologia de gênero”) também fazem parte do arsenal bolsonarista para sustentar a “narrativa” do “mito”, que não erra e nem falha, apesar de todas as suas contradições ou talvez por isso mesmo.

Mesmo com mentiras escandalosas – como a do “kit gay” e a mamadeira com bico em formato de pênis que seria distribuídas nas escolas pelos “comunistas”, por exemplo -, é difícil confrontar esse tipo de loucura, apesar da necessidade de fazê-lo. A resposta ajuda a criar o diversionismo, atolando a todos em um pântano, no qual não mais se sabe o que é mentira ou verdade. E é justamente esse o habitat dos que manejam a “mangueira de incêndio”, especialidade dos Bolsonaros, amplamente utilizada nas eleições. O método está sendo usado na transição e continuará na ativa quando assumirem o governo. Por isso Bolsonaro cogitou levar seu filho Carlos, vereador pelo Rio de Janeiro, para o centro do poder.

Assim, é preciso descobrir um método para confrontar com eficácia essa Matrix, que criou uma realidade paralela, hipnotizando a muitos, e na qual a lógica e a realidade não vigoram, pois verdade e mentira se misturam de tal modo que torna hercúlea a tarefa de separá-las.