Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, edição de 6/12/2018 do O POVO.

Bastou a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovar projeto de lei permitindo o cultivo da maconha (cannabis sativa) para uso medicinal para reacender a “polêmica” sobre a descriminalização das drogas. O caminho para a medida transformar-se em lei ainda é longo: terá de passar pela Comissão de Constituição e Justiça e, depois, pela apreciação da Câmara dos Deputados.

Para começo de conversa, é falta de compaixão dificultar o medicamento derivado da maconha para quem sofre de doenças gravíssimas, incluindo velhos e crianças – como crises epiléticas e convulsivas, câncer, mal de Parkinson, alzheimer e esclerose múltipla – cujos sintomas podem ser amenizados com o uso do canabidiol.

Depois, é preciso quebrar o tabu e a hipocrisia em relação aos entorpecentes ilícitos, em um país que celebra o álcool, até em aniversário de crianças. E o mais grave: é bem provável que a maioria dos bebedores tenha tomado seu primeiro gole em casa, no copo do papai. Para ser consequente, quem é contra a descriminalização, deveria incluir na mesma mesma sentença a exigência para proibir a venda de bebidas alcoólicas. O álcool é uma droga “pesada”, psicotrópico que atua no sistema nervoso central, podendo provocar dependência, alterações na percepção, no comportamento e na consciência.

Nesse assunto, o Brasil deveria imitar Portugal, que descriminalizou a posse e o consumo de todas as drogas em 2001, iniciando vitorioso programa – referência em todo o mundo -, voltado à prevenção e ao tratamento dos dependentes, o que reduziu o consumo e está evitando prisões desnecessárias e mortes.

Por que é tão difícil aceitar que seja estendido para outras drogas o mesmo relacionamento que a sociedade tem com o álcool? Existem os abstêmios, outros bebem “socialmente” e alguns enchem a cara no fim de semana. Porém, a imensa maioria estará na segunda-feira levando as crianças para a escola para depois dirigir-se ao trabalho.

Mais dia menos dia, as drogas sairão da ilegalidade, é inevitável. Porém, quanto mais tempo, mais sofrimento, mais pessoas estigmatizadas, mais prisões e a continuidade de uma insana (e perdida) “guerra às drogas”, cujo resultado é o aumento cada vez maior da violência.

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