Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, O POVO, edição de 31/1/2019.

Um ato de crueldade

Corria o mês de abril do ano de 1980, em plena ditadura militar. O presidente era João Figueiredo, um general pouco afeito a delicadezas: dizia preferir o cheiro de cavalo ao cheiro do povo. Na época, Lula da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (SP), foi levado à prisão pelo Deops (órgão da repressão política). O líder dos trabalhadores, já conhecido em todo o País, fora enquadrado na Lei de Segurança Nacional por dirigir uma greve de 300 mil metalúrgicos, que duraria 42 dias. Durante a prisão, no dia 12 de maio, morre a mãe de Lula, Dona Lindu. Imediatamente ele é liberado para ir ao velório e, no dia seguinte, sai novamente para comparecer ao enterro da mãe.

Corre o ano de 2019, em plena(?) democracia, Lula está novamente preso, desta vez acusado de corrupção. Entre uma detenção e outra, ele foi presidente do Brasil por duas vezes, em eleição direta, e tornou-se um líder reconhecido e festejado em todo o mundo. Na terça-feira, morre seu irmão, Vavá, o mais velho entre eles, considerado um pai para Lula.

O artigo 120 da Lei de Execução Penal permite a saída provisória de presos, devido à necessidade de tratamento médico ou morte ou doença grave do “cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão”.

O pedido de Lula para obter tal direito percorreu o seguinte caminho: Polícia Federal (negou); Ministério Público (negou), alegando que o ex-presidente não é um “preso comum” (seria preso político?); vara de Execução penal (negou); Tribunal Regional Federal da 4ª Região (negou). As desculpas são várias, mas nenhum dos homens ou mulheres que assinaram as negativas atentaram para a crueldade de proibir uma pessoa de participar do que se chama “ato de fé cristã”. O sistema operativo de Sérgio Moro, agora chefe da Polícia Federal – porém subordinado de Jair Bolsonaro -, ainda está impregnado em certos meios judiciários.

Assim, o processo foi ao Supremo Tribunal Federal), que concedeu ontem a Lula, quando o irmão já estava sendo enterrado, “o direito de se encontrar exclusivamente com os seus familiares em uma unidade militar da região”. Nem a ditadura exigiu isso na morte da mãe dele. Um escárnio. Uma brutalidade.

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