Passado o período mais crítico do episódio no qual o Supremo Tribunal Federal (STF) praticou um ato inaceitável de censura, mandando que a revista Crusoé e o site O Antagonista retirassem um texto em que Dias Toffoli, presidente da Corte, era citado, é preciso aprofundar um pouco mais o assunto.

Primeiro, porque muitos hipócritas que defendem a ditadura, portanto a censura – inclusive o presidente Jair Bolsonaro – aproveitaram para surfar na onda, aparecendo como verdadeiros paladinos da liberdade de expressão, o que não é, nunca foi, nem nunca será apanágio da extrema direita. Depois, porque o próprio O Antagonista, vítima da censura, já apoiou tal medida contra a Folha de S. Paulo, jornal que agora saiu em defesa do site.

Como lembrou a colunista da Folha de S. Paulo Mônica Bergamo, O Antagonista “aplaudiu” a censura de um ministro do STF à Folha, que impediu o jornal de entrevistar o ex-presidente Lula. No ano passado, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu permissão, em medida liminar, para a Folha de S. Paulo entrevistar o ex-presidente Lula na prisão. Em setembro de 2018, a liminar foi cassada pelo ministro Luiz Fux. Mas Fux foi além, proibindo a divulgação da entrevista, caso houvesse sido feita no ínterim entre a concessão da liminar e sua decisão de cassá-la. Ou seja, apelou para a censura prévia, o que é expressamente proibida pela Constituição.

Mesmo assim, O Antagonista regozijou-se, escrevendo o seguinte: “Luiz Fux salvou a Folha de S. Paulo, impedindo que, às vésperas da disputa presidencial, suas páginas se transformassem em palanque para o chefe da Orcrim (sigla para ‘organização criminosa’, supostamente dirigida por Lula)”. Ainda que houvesse (não havia) qualquer justificativa para impedir a entrevista com Lula, não existe nenhum argumento para fundamentar a censura prévia, imposta por Fux. E O Antagonista sempre soube disso, mas, na ocasião, também escreveu: “Em vez de homenagear o ministro, o jornal (Folha de S. Paulo) acusou-o de ser um censor”. Que tal, agora O Antagonista organizar uma homenagem ao ministro Alexandre de Moraes, em vez de acusá-lo de censor?

De qualquer modo, o episódio resultou em  algo positivo, pois, na semana passada, o presidente do STF, Dias Toffoli, liberou as entrevistas com Lula, tanto para a Folha de S. Paulo, como para os demais jornais que pedissem.

Mas é preciso ir além.

A reportagem da Crusoé, com o título O amigo do amigo de meu pai, começa dizendo que “um documento explosivo, enviado pelo empreiteiro-delator Marcelo Odebrecht, foi juntado (recentemente) a um dos processos da Lava Jato que tramitam na Justiça Federal de Curitiba”. A tal explosividade seria a citação do codinone “amigo do amigo”, atribuído a Toffoli, segundo Marcelo Odebrecht. Na ocasião, Toffoli era advogado-geral da União (2007), no governo do ex-presidente Lula, sendo Dilma Rousseff chefe da Casa Civil.

Continua a revista: “Àquela altura, a Odebrecht tinha interesse, juntamente com outras construtoras parceiras, em vencer a licitação para construção e operação da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira. Na AGU, Toffoli havia montado uma força-tarefa com mais de uma centena de funcionários para responder, na Justiça, às ações que envolviam o leilão”. Mas a Crusoé não se preocupou em aprofundar o assunto, pois nada em sua reportagem pode ser considerado “explosivo”, pois a citação ao “amigo do amigo” não deixa entrever qualquer grau de irregularidade que possa ser atribuído a Toffoli. Assim, a revista promove um traque à categoria de petardo, para dar ares de escândalo à citação.

A Folha de S. Paulo, entretanto, foi verificar o que aconteceu em 2007, o que resultou na seguinte manchete Odebrecht perdeu queda de braço com Dilma e Toffoli, ou seja, a empresa teve seus interesses contrariados na ocasião. Importante: não se entra aqui no mérito se Toffoli praticou um não qualquer malfeito, mas que as supostas citações ao seu nome no depoimento são absolutamente insuficientes para incriminá-lo em qualquer irregularidade. Porém, o bastante para quem quer praticar o assassinato de reputações.

O problema é que durante todo o processo da Lava Jato o próprio STF, parte da imprensa e da “opinião pública” foi tolerante, quando não incentivadora, dos vazamentos, principalmente aqueles que atingiam o ex-presidente Lula. A prática foi instrumento da “República de Curitiba”, inclusive em processos sob sigilo – como é o caso do que se comenta aqui – para constranger, amedrontar e condenar pessoas, sem qualquer investigação mais profunda. O próprio ex-juiz Sérgio Moro divulgou, ilegalmente, áudio de uma conversa entre Lula e a então presidente Dilma Roussef. Essa prática levou a malta a exigir cada vez mais sangue e, como se sabe, em casos assim, o monstro costuma ficar incontrolável.

Veja o texto que complementa este artigo.