Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião do
O POVO, edição de 23/5/2019.

Os presidentes por suas cartas

“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre mim. (…) Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.” (Carta Testamento do presidente Getúlio Vargas, agosto 1954.)

“Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia, que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. (…) Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração. (Carta de Renúncia do presidente Jânio Quadros, agosto 1961.)

“O Brasil é governado exclusivamente para atender aos interesses de corporações com acesso privilegiado ao orçamento público.” (Texto do analista financeiro Paulo Portinho, filiado ao partido Novo, distribuído pelo presidente Jair Bolsonaro, sob o apelo de “leitura obrigatória”, maio 2019.)

Cada um dos trechos acima têm uma coisa em comum: acusam forças difusas, que os teriam impedido de governar, como justificativa para a atitude que cada um tomou: Getúlio, o suicídio; Jânio, a renúncia; Bolsonaro, ainda a saber o que fará para justificar a sua incompetência para exercer o cargo para o qual foi eleito. Dos três, Getúlio pode ser considerado “progressista” e os outros “de direita”.

Assim, Getúlio diz que queriam impedi-lo de governar para o “povo” humilde; Jânio prefere dizer que defendia os “interesses gerais” do País contra vantagens pessoais e de grupos; Portinho/Bolsonaro parecem mais preocupados com os investidores, pois a carta termina aconselhando “sell”, jargão que orienta aplicadores a venderem os seus ativos, sugerindo que investidores se afastem do Brasil.

É preciso reconhecer, vivemos em um País absolutamente injusto e desigual, que favorece parcela muito pequena dos brasileiros. Mas Certamente, não é a essa “corporação” de super-ricos a que Portinho e Bolsonaro se referem, pelo contrário: queixam-se pelo fato de o governo não ter condições de agir, sem amarras, em benefício deles.