A avalanche de absurdos à qual estamos submetidos chega a causar embotamento nas instituições e nos próprios jornalistas, que acabam tendo dificuldade para identificar um claro atentado princípios democráticos, mesmo quando revelado à luz do dia pelo próprio presidente, Jair Bolsonaro. Apenas um jornalista, Rubens Valente, da Folha de S. Paulo, viu a bola quicando na área da ilegalidade.

Como escreveu o jornalista (edição de 5/7/2019), em entrevista coletiva durante sua visita ao Japão, Bolsonaro informou que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, lhe dera acesso privilegiado a dados do inquérito sobre os laranjas do PSL, o partido do presidente. Bolsonaro, escreve Valente, foi além ao revelar que determinara a Moro — que por sua vez daria ordem à Polícia Federal —, para que investigasse todos os partidos com problemas semelhantes. “Tem que valer para todo mundo, não ficar fazendo pressão em cima do PSL para tentar me atingir”, disse o presidente na ocasião. Ocorre, lembrou Valente, que a investigação tramita sob segredo na 26ª Zona Eleitoral de Minas Gerais, portanto não poderia ser revelada a ninguém fora do processo, nem mesmo ao presidente da República.

Alertou Rubens Valente: “As declarações [do presidente] devem assustar policiais das diversas carreiras da PF — alguns dos quais hoje em cargos de direção, reconheça-se — que nos últimos 30 anos trabalharam para que o órgão evoluísse para uma instituição ‘de Estado, não de governo’, como cansaram de repetir. Uma PF que não esteja à mercê dos rancores do presidente e do ministro de plantão. Um órgão que investigue fatos e não pessoas”.

Na mesma direção, de tratorar as instituições democráticas, é a possível investigação a que estaria sendo submetido o jornalista Glenn Greenwald, editor do portal jornalístico Intercept Brasil, que vem revelando conversas virtuais entre o então juiz Sérgio Moro e procuradores de Curitiba, no decorrer da operação Lava Jato.

Nesse caso, a pedido do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, o Tribunal de Contas da União resolveu agir. O presidente do TCU, Bruno Dantas determinou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Coaf, Roberto Leal, informem se o Conselho está sendo usado para monitorar as atividades financeiras de Greenwald. Segundo Dantas, se o Coaf estiver sendo usado para investigar o editor do Intercept, isso representaria “elevado risco institucional”.

“Se confirmados os fato noticiados pelo procurador, escreve o presidente do TCU, “estaremos diante de um quadro gravíssimo de manipulação do aparelho repressor do Estado contra jornalistas que divulgam informações que trazem incômodo aos membros do governo”. E ainda completou: “É inconcebível que o aparato estatal possa ser utilizado com tamanho desvio de finalidade para violar garantias constitucionais fundamentais imprescindíveis ao Estado Democrático de Direito, como o direito à livre manifestação do pensamento e à liberdade de imprensa”.

Por sua vez, o subprocurador afirmou que a possível devassa configuraria “perseguição e abuso de poder” com o objetivo de “intimidar o jornalista, que divulgou diversas conversas e trocas de mensagens entre magistrados e procuradores que atuaram na força-tarefa da Lava Jato”.

Durante sua inquirição na Câmara dos Deputados, Moro foi insistentemente perguntado se a Polícia Federal estaria investigando Greenwald. Ele não respondeu.

Paulo Guedes deve ter sido notificado hoje (8/7/2019) e tem 24 horas para enviar a resposta ao TCU.

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O artigo de Rubens Valente: Moro vazou para Bolsonaro.

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