Reprodução do artigo publicado na edição de 19/12/2019, editoria de Opinião do O POVO.

O energúmeno

Chamaram Paulo Freire de “energúmeno”. O grosseirão estava com raiva ao falar da TV Escola, canal público que, segundo ele tem repertório “totalmente de esquerda”, e resolveu incluir o Freire nos seus desvarios. E emendou, sob aplauso de uma roda de bajuladores: “Tem muito formado aqui (apontando para os áulicos que o ouviam) em cima dessa, dessa filosofia aí, do Paulo Freire da vida, aí, esse energúmeno aí que, né, ídolo da esquerda”. (O português troncho é culpa da reprodução literal.)

A tradução do discurso, se entendi bem, é a seguinte: muitos dos que aplaudiam o vilipêndio a Paulo Freire teriam sido formados sob o método dele. Mas, a se levar em conta a acusação que lhe é atribuída, de perverter a juventude irremediavelmente, essa turma não deveria estar filiada às fileiras do comunismo, em vez de apoiar com entusiasmo o porta-voz da extrema direita?

Paulo Freire, educador pernambucano, é autor de mais de 40 livros em sua área de especialidade. No mais conhecido deles, “A pedagogia do oprimido”, expõe seu método de alfabetização de adultos, por meio de “palavras geradoras”, descobertas a partir da realidade dos alunos. Freire se insurge contra a educação verticalizada e propõe um método dialógico e libertador. Com o golpe civil-militar, ele viveu no exílio por 25 anos, voltou com a anistia, e morreu em 1997. As acusações que lhes fizeram na ditadura são as mesmas que mentes abjetas lhe atribuem agora.

Mas sua obra continua percorrendo o planeta, sendo estudada nas principais universidades do mundo. A obra citada acima é o único livro brasileiro a aparecer na lista dos 100 mais requisitados por universidades da língua inglesa. Ele é o terceiro pensador mais citado na área de ciências humanas em todo o mundo, de acordo com pesquisa do Google Scholar.

Segundo o dicionário Michaelis, “energúmeno” tem como sinônimos “pessoa que, dominada por uma paixão, comete desatinos; que é desprovido de inteligência; boçal, bronco, ignorante”.

Decida você, leitor, quem é “energúmeno”: o mestre pernambucano ou o execrável que o xingou?

PS. Para baixar gratuitamente livros de Paulo Freire. (Estarei de férias por 30 dias.)