Reprodução do artigo publicado na edição de 19/3/2020, editoria de Opinião do O POVO.

Coronavírus demole mundo de fantasia de Bolsonaro

“Os invasores foram aniquilados – depois que todas as armas e equipamentos humanos fracassaram – pelas criaturas mais humildes que Deus, em sua infinita sabedoria, colocou na terra.” O filme “A guerra dos mundos”, cujo tema é uma invasão alienígena à Terra, termina com essa narração. A voz em “off” explica que, onde os exércitos falharam, as bactérias fizeram o serviço, infectando os marcianos, cujos organismos não tinham defesas contra essas invisíveis criaturas.

Situação parecida vive Jair Bolsonaro no confronto com o novo coronavírus. Não foi artilharia da imprensa, nem os comunistas e muito menos a petralhada que o fez recuar. Foi o minúsculo ser que conseguiu refrear algumas de suas sandices, levando-o a reunir uma ruma de ministros mascarados tentando explicar por que  vinha desdenhando a ameaça, mas ontem reconheceu o perigo que a Covid-19 representa. Tudo isso sem esquecer o autoelogio, pois ninguém é de ferro: “Nosso time está ganhando de goleada. (…) Então, se o time está ganhando, vamos fazer justiça, vamos elogiar seu técnico, e o seu técnico chama-se Jair Bolsonaro”. (Então, tá.)

Mas o problema de Bolsonaro – desnudado pelo vírus – é o penoso mundo de fantasia no qual ele vive.  Nele, os fatos podem ser completamente deformados e, ainda assim, serão tomados como verdade por uma subserviente claque de fanáticos. Isso lhe dá a oportunidade de falar uma coisa agora e negá-la em seguida, sem compromisso com a realidade.

Mas o vírus não está no campo da disputa política, nem admite versões: o corona contamina, espalha-se, mata. Bolsonaro deu um passo em falso ao menosprezar o inimigo, como mau militar que é. Depois, quis consertar o estrago, sem convencer.

Termino o artigo sem saber como foi o panelaço contra o presidente, ontem às 20h30min. Porém, é sintomática o fato de os partidários de Bolsonaro terem marcado manifestação a favor do presidente, nos mesmos moldes, para as 21h, na tentativa de embaralhar a realidade. Hoje Bolso voltará ao normal, em seu mundo assombrado: dirá que o panelaço foi a favor dele.

PS. O filme tem como base o livro do mesmo nome, do escritor H.G. Wells, publicado no século XIX.