Presidente Michel Temer (MDB): tradição de missivista agora divide lugar com a “influencer” nas redes sociais (Foto: Agência Brasil)

Passava das 22h da segunda-feira, 7 de dezembro de 2015, quando o colunista do O Globo Jorge Bastos Moreno divulgou em primeira mão aquela que é talvez a carta mais importante do País desde a redemocratização.

Redigida pelo então vice-presidente da República Michel Temer (MDB) e endereçada à titular Dilma Rousseff (PT), a missiva expunha, em prosa vazada de empáfia, o desconforto do emedebista com sua condição de “vice decorativo”, expressão que passaria a designar o político mesmo muito tempo depois do impeachment.

De lá pra cá, Temer notabilizou-se pela intensa comunicação epistolar. Segundo ele, vezo de constitucionalista e cacoete do poeta autor de versos como “Está cada vez mais difícil/ Fugir de mim”, reunidos no opúsculo Anônima intimidade.

Depois da petista, apeada da Presidência com auxílio vital do MDB de Temer e do PSDB do candidato Geraldo Alckmin, o presidente remeteu cartas para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a Caetano Veloso.

À chefe da PGR, em março deste ano, explicou que não tinha o interesse malcriado de contestar sua inclusão em inquérito que apura possível envolvimento do presidente com escaramuças da Odebrecht (Temer foi alvo de duas denúncias apresentadas pela PGR ainda quando comandada por Rodrigo Janot, ambas rejeitadas pela Câmara).

No mesmo tom gongórico que o seu “eu” assume nas correspondências, disse que lhe escrevia “apenas por vício intelectual”, a fim de lhe sugerir a leitura de artigos da Carta Magna que talvez pudessem iluminá-la quando da análise do seu caso.

Já na missiva que fez chegar a Caetano por meio da assessoria de imprensa em meados de agosto, o inquilino do Planalto cuida em rebater as críticas do artista ao emedebista.

Dias antes, o músico baiano afirmara que o presidente era “dissimulado” e dado a “conchavos” quando comparado a Ciro Gomes (PDT), cujo nome Caetano defende e por quem vem fazendo campanha nas redes sociais.

Em resposta, Temer enumera feitos de sua gestão nas áreas de meio ambiente, econômica e social. E, sem muita sutileza, caçoa de Ciro, chamando-o de “pigmeu político”.

Nas últimas 48 horas, porém, o presidente rompeu com essa escrita. Num arroubo digital, pôs-se a contra-atacar adversários políticos por meio de filmetes postados no Twitter.

Nessas peças audiovisuais, o gestor parece à vontade, executando com precisão teatral todo o repertório de gestos melífluos que funcionam como predicado às palavras que o chefe da nação vai pronunciando com dicção particular.

No primeiro desses vídeos, publicado no fim da noite de ontem, um Temer moderadamente colérico investe contra o antes aliado candidato tucano à Presidência.

Dirigindo-se ao “Geraldo”, de quem se mostra insuspeitadamente íntimo, afirma que o PSDB apoiou o governo federal e que, caso vença a eleição, terá a seu lado a mesma base congressual que o vice de Dilma teve no curso destes dois anos de mandato.

Na segunda peça, um desdobramento da primeira, Temer faz um pout-porri com os nomes dos tucanos que já ocuparam um assento na Esplanada dos Ministérios, citando-os de cabeça.

Batizada pelo Twitter de “Fale a verdade, candidato”, saudação com que Temer costuma instar seus desafetos, marcando os seus perfis, a campanha audiovisual já teve dois alvos.

Além de Alckmin, o emedebista também atacou Fernando Haddad (PT), a quem recomendou que lesse a Constituição e “tomasse cuidado”, numa ameaça velada não se sabe muito bem do quê: se de trazer à tona fatos ocultos relacionados ao petista ou apenas de pregar uma peça.

A razão da série de vídeos, todavia, não é divertir os usuários de internet. É de natureza estritamente política. Fora da disputa eleitoral e sem um candidato que lhe sirva de anteparo, Temer arrogou a si mesmo uma tarefa de difícil execução: defender o seu legado.

O candidato governista por excelência, Henrique Meirelles (MDB), sempre pula essa parte da própria biografia em que foi ministro da Fazenda de Temer quando precisa falar sobre o seu currículo, ressaltando, no entanto, os anos de bonança à frente dos quais esteve no governo Lula.

E o “Geraldo”, como graceja o presidente, passou de aliado a crítico contumaz na propaganda eleitoral, apagando aquele trecho desagradável da história do impeachment em que MDB e PSDB se aliam para defenestrar Dilma e pavimentar o caminho de Michel até a cadeira de presidente.

Moral da história: coube ao próprio Temer defender-se da artilharia de seus adversários. Afinal, são 13 candidatos, todos de oposição, nenhum de situação.

Animado pelo sucesso das postagens  e o alcance das críticas, que viralizam desde ontem, o risco é de que o presidente não se ocupe de outra coisa até o dia 31 de dezembro, quando se encerra o seu governo.

Rejeitado por quase 80% da população, ele teria de escrever uma carta ou gravar um vídeo para cada um dos milhões de brasileiros que um dia já se referiram ao emedebista de modo pouco lisonjeiro.

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Henrique Araújo

Jornalista do Núcleo de Política do O POVO

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