Mesmo de férias, Ciro Gomes (PDT) voltou à campanha.
Mas não para a de Fernando Haddad (PT).
Terceiro colocado na disputa, o pedetista postou nesse sábado no Twitter trecho de uma entrevista concedida ao SBT, ainda durante o primeiro turno das eleições.
Nela, o ex-governador do Ceará fala que o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), adversário de Haddad nesta etapa da corrida, é “uma grave ameaça pelo extremismo”.
A entrevista é acompanhada por uma frase de Ciro: “Bolsonaro é a promessa certa de uma crise”.
Todavia, disso não se conclua endosso automático ao nome petista.
Fora do Brasil para curto período de férias, Ciro não deu garantias – ao menos não públicas – de que irá se engajar na batalha que o ex-prefeito de São Paulo trava contra o militar.
Mágoa? Tática? Cálculo político?
Talvez um pouco de cada.
Ciro de fato foi escanteado pelo PT durante o período de articulações de alianças. Os dois partidos que procurou, PSB e depois o PCdoB, lhe fecharam a porta, ambos por pressões petistas.
Ora, o jogo é assim. No Ceará, por exemplo, o grupo de Ciro fez algo parecido para enfraquecer ainda mais a já combalida oposição ao extinguir o Tribunal de Contas dos Municípios, àquela altura a última cidadela do bloco encabeçado por Tasso Jereissati (PSDB) e Domingos Filho (PSD).
Como socialistas e comunistas lhe respondessem com silêncio, o então presidenciável foi tentar a pescaria entre os nanicos do “centrão”, depois fisgados pela rede de “arrasta” do tucano Geraldo Alckmin.
Praticamente sozinho, o ex-ministro de Lula foi para a disputa com pouca estrutura e tempo exíguo, mas muita energia e uma comunicação pessoal afinada.
A depender do seu desempenho nos debates televisivos, Ciro teria sido eleito no primeiro turno.
Houve até quem brincasse e o apontasse como presidente do Twitter depois da onda na reta final alimentada pela hashtag #ViraViraCiro.
O pedetista terminaria com 13,3 milhões de votos, atrás de Bolsonaro e Haddad. Um feito e tanto.
E é pensando nele que Ciro desenha agora o seu futuro no segundo turno das eleições.
A todas as investidas do PT nos últimos dias, parece ter dado as costas. O gesto foi prontamente interpretado como vingança ou revanchismo.
Seus aliados celebraram. Vereadores em Fortaleza pediram a renúncia de Haddad em favor de Ciro.
Vice na chapa, Kátia Abreu compartilhou mensagem nas redes sociais com os dizeres “Eu não tenho culpa, votei no Ciro”.
A frase repete outra já bem conhecida de 2015, quando eleitores do então senador Aécio Neves (PSDB-MG) protestavam contra os escândalos revelados pela Lava Jato no governo Dilma.
A quem lhes perguntava, eles diziam: eu não tenho culpa. Votei no Aécio.
Logo a operação também traria à tona as escaramuças em que o mineiro andara metido, e ter votado no Aécio passaria rapidamente de trunfo a vexame.
A frase usada por Kátia Abreu é, portanto, pouco alvissareira pelo que traz de um passado incômodo.
Mas há outro componente interessante nela.
Diferentemente de quatro anos atrás, é muito mais difícil para Ciro agora lavar as mãos no segundo turno e simplesmente dizer: eu não tenho culpa, eu pedi o seu voto e fiquei somente em terceiro. Ou, como fazem seus aliados, esperar que o segundo colocado renuncie à vaga para que ele encare Bolsonaro.
Por tudo que fez e disse no primeiro turno, o que o torna um dos poucos vitoriosos nestas eleições, Ciro não tem a opção de não se envolver nessa queda de braço sem que isso acarrete um custo real para ele.
A questão é: o que Ciro ganharia apoiando expressamente Haddad? E o que perderia?
Depende de alguns fatores. Se o apoio de fato se desse sem meios termos, como quer o PT, e houvesse o compromisso de que o ex-governador entrasse de corpo e alma na campanha, isso implicaria riscos para o pedetista.
Quais? Um seria dilapidar o seu capital político conquistado na campanha, só alcançado porque o candidato se apresentou como uma alternativa à polarização.
O outro perigo para Ciro seria o de associar-se ao PT de modo permanente. Mais ou menos como quando Marina Silva (Rede) apoiou Aécio em 2014, preço que continuou a pagar mesmo em 2018.
Para Haddad, derrotar Bolsonaro, mesmo com Ciro no palanque, seria uma tarefa gigantesca. Sem ele, é uma missão quase impossível.
A situação de Ciro, porém, não é das mais confortáveis.
Ausentar-se do País, ainda que por pouco tempo, não é certamente a postura que os 13 milhões de eleitores que votaram nele esperavam do seu candidato.
E aqui voltamos à postagem de Ciro no Twitter, a primeira depois que o PT o sondou para uma composição formal, inclusive lhe oferecendo parte do comando da campanha e acenando com cargos em um futuro governo.
É uma publicação sumária. De novo mesmo, há apenas a mudança de hashtag – de #ViraViraCiro para #DemocraciaSim. E isso responde a parte significativa das perguntas feitas aqui.
Dela é possível concluir provisoriamente que o ex-prefeito de Fortaleza tentará resolver esse impasse posicionando-se contra Bolsonaro, mas sem declarar-se eleitor de Haddad.
A republicação da entrevista funciona, desse modo, como um mecanismo de reforço do discurso cirista. Um lembrete. É como se dissesse: eu sou um democrata. Não se esqueçam disso. Vejam o que respondi quando perguntado.
Mais que isso Ciro talvez não ofereça.
Nem ao PT, que trabalhou para isolá-lo. Nem à ampla parcela dos eleitores que, tendo votado em Alckmin, Marina e em Haddad no primeiro turno, agora temem a chegada de um autoritário ao poder.
Essa é a aposta que Ciro faz. É a mesma que FHC também lança neste momento.
A de que o gesto de recusa a Bolsonaro é mais que suficiente e constitui tudo que eles possam oferecer ao debate público no Brasil agora e nos dias que virão.
E nisso ambos podem estar enganados.
Esses políticos são amplamente canalhas.Isso se revela tanto nas alianças que fazem quanto nas que deixam de fazer.
Henrique Araújo, creio não ser preciso dizer quem você apoia no segundo turmo. O texto deixa claro a sua predileção.