Senador eleito Cid Gomes (PDT) discute com militantes do PT, a quem chama de “babacas” (Foto: Tatiane Fortes)

As declarações de Cid Gomes (PDT) durante encontro do PT que lançou a pedra fundamental da campanha de Fernando Haddad no Ceará causam estragos de natureza imprevista e de grande repercussão local e nacional.

À local: a extensão do desgaste e a virulência contidas nas críticas do senador eleito ao PT tornam difícil, senão impossível, uma recomposição entre as duas siglas depois das eleições, vença quem vencer no dia 28/10.

De imediato, o “Grande Cisma do Marina Park” cria um problema para o governador Camilo Santana (PT).

No cenário mais otimista, o chefe do Executivo cearense precisará administrar a maior crise política desde que assumiu o governo.

No menos otimista, terá de lidar com uma fratura na sua base, cuja espinha-dorsal é constituída pelo PDT de Cid e da qual depende para ter vida tranquila nos próximos quatro anos.

Pergunta crucial: em caso de racha, Camilo tenderá a que lado na contenda?

Outra questão é saber se o objetivo de Cid era este desde o início: a ruptura entre PDT e PT num episódio rumoroso que entrará para o anedotário político, assim como o entrevero protagonizado pelo ex-governador diante de um Eduardo Cunha ainda todo-poderoso no já distante ano de 2015.

Tenho lá minhas dúvidas.

Por uma razão simples: se o grupo capitaneado por Cid e Ciro Gomes pretendia desde o início cortar laços com o petismo de olho em 2022, a postura mais confortável seria manter-se à distância após haver declarado rejeição ao capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) e acenado com o “Ele, não”, dito por Ciro ainda no domingo, 7.

E não simplesmente fazer o que Cid fez: encarar um auditório repleto de apoiadores e filiados do PT, num evento que é vital para a campanha de segundo turno da agremiação, e falar umas verdades entaladas desde há muito.

Num caso como no outro, se o objetivo era romper, o PDT fez isso da pior forma, como ato expresso de resposta ao isolamento imposto pelo PT a Ciro que terá como consequência um rearranjo na política do Ceará.

Mas, se não era essa a ideia de Cid, o que saiu errado, então?

Quase tudo: da organização da reunião, que cedeu a palavra de abertura ao político a quem caberia expressar apenas ao final que caminho o grupo representado por ele seguiria; até a falta dos cardeais petistas.

Nem José Guimarães nem Luizianne Lins estavam lá para fazer as honras da casa ao senador eleito, que se viu diante de uma massa de filiados à espera de que declarasse seu apoio inequívoco a Haddad.

Não foi o que aconteceu.

A par de tudo isso, e ciente da expectativa que sua presença certamente alimentava, Cid poderia não ter ido, simplesmente. Mas ele foi. E não apenas foi, como autorizou – Camilo fez questão de destacar – o uso de sua imagem na campanha de Haddad.

Fez isso apenas por deferência e respeito a Camilo?

Duvido. Afinal, as palavras duras e o clima de briga entre torcidas rivais num campeonato de várzea foram mais constrangedores e difíceis de explicar do que teria sido uma ausência.

Não custa lembrar: antes de toda a confusão que se seguiu às cobranças do ex-governador para que o PT fizesse um “mea culpa”, Cid chegou a ganhar aplausos da plateia.

Àquela altura, os petistas viam na sua ida ao encontro um sinal de que nem tudo estava perdido – se ele estava ali, era possível que Ciro talvez viesse a integrar a campanha de Haddad, apoiando-o na reta final.

O que se viu, todavia, foi bem outra coisa.

E aí a fala do pedetista acabou tomando o rumo cataclismático que tomou.

Então vieram as primeiras vaias a Cid. Solitárias no começo, mais encorpadas no final. Partindo de muitos pontos da sala. E acompanhadas com indisfarçável desconcerto pelos pedetistas que ladeavam Camilo.

Entre eles, Mauro Filho, Salmito Filho, Tin Gomes, Zezinho Albuquerque e Ivo Gomes.

Mercurial, Cid elevou o tom das críticas, que passaram a incluir o ex-presidente Lula, a quem acusou de haver barrado a candidatura de Dilma Rousseff ao Senado pelo Ceará apenas para garantir a vaga de Eunício Oliveira (MDB), aliado do petista (Haddad o visitaria quando de passagem por Fortaleza).

As ofensas não tardariam. Ao coro de “Lula livre”, Cid respondeu xingando os simpatizantes de “babacas” e “otários” e afirmando que “vocês vão perder e vão perder feio”, entornando o caldo de vez.

Disse ainda que Bolsonaro era cria de gente como eles, os petistas que o vaiavam.

O ex-governador deixaria o auditório sob escolta dos seguranças, que o isolaram e conduziram até o carro. Na saída, ainda lhe atiraram uma faixa do PT.

Volto à questão inicial: tudo isso era mise en scene, e a real intenção do senador eleito era provocar um estrepitoso  término de namoro, com brigas e acusações mútuas expostas aos quatro ventos e circulando feito rastilho de pólvora pelas redes sociais?

Tenho cá minhas dúvidas.

As evidências, porém, apontam que o PDT já pensa, sim, em 2022. Carlos Lupi sinalizou claramente para isso nesta segunda-feira. E Cid endossou ao falar na chegada ao evento no Ceará.

De resto, a ausência de Ciro, que tira férias na Europa e não fez gesto concreto de apoio a Haddad, confere robustez à tese de que a legenda brizolista trabalha de olho nas próximas eleições.

Daí ao barraco testemunhado pela cúpula de PT e PDT no Estado vai uma boa distância.

Explicar tudo sob a lógica de que Cid explodiu não ajuda a explicar muita coisa. O ex-governador podia não estar plenamente calmo, como repetiu inúmeras vezes quando foi atalhado por Zezinho Albuquerque com pedidos para que se contivesse.

Fora de si, porém, o ex-ministro não estava.

Tampouco está o deputado federal reeleito José Guimarães, que, poucas horas depois de o “Cisma do Marina” ganhar o mundo, contra-atacou pelo Facebook.

“Não estive presente no evento pró-Haddad realizado agora à noite em Fortaleza por iniciativa do governador Camilo Santana, pois estava em outras missões da campanha nacionalmente”, escreveu o parlamentar na rede social.

O deputado prossegue: “Lamento profundamente a forma desrespeitosa como fomos tratados pelo senador Cid Gomes (o senador que o PT votou) ao criticar o PT em um momento inadequado e que só contribuiu para gerar desconfiança e incertezas da nossa vitória”.

“Sobre os nossos legados e parcerias entre o PT e os FGs (Ferreira Gomes)”, ele completa, “discutiremos após o 2º turno. Tá na hora mesmo de fazermos um balanço desde 2006 e, se for o caminho da separação, que façamos com respeito mútuo”.

É difícil imaginar uma convivência amistosa entre PT e os FG depois dos eventos desta segunda colérica. Bem possível que, no Ceará e no restante do País, a tônica da relação entre as duas legendas seja de franca beligerância.

Afinal, não se trata mais sequer de supor qualquer chance mínima de envolvimento de Ciro na campanha de Haddad. Isto, se já estava fora de cogitação, foi definitivamente sepultado por Cid.

Mas o de avaliar como os dois partidos vão se comportar depois do dia 28/10, vencidas as eleições ou não por Bolsonaro.

Em caso de derrota do militar, o PDT é oposição – e o PT também.

Nesse cenário, a briga então passa a ser por controle de espaço e primazia na liderança da voz oposicionista a um governo que se anuncia radicalmente contrário à agenda desses partidos – e a qualquer outra agenda minimamente progressista.

E na hipótese remota de Haddad sair-se vencedor? Para o PDT, não muda nada: oposição.

Pelo menos até agora.

Assista ao momento em que Cid Gomes discute com militância do PT nesta segunda-feira, 15:

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Henrique Araújo

Jornalista do Núcleo de Política do O POVO

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