Ciro Gomes na chegada ao aeroporto de Fortaleza nessa sexta-feira (Foto: Tatiana Fortes/ O POVO)

Depositário de 13 milhões de votos nestas eleições, Ciro Gomes (PDT) foi claro ao falar “em preservar um caminho” para o eleitor. O caminho é ele.

Em vídeo neste sábado, o ex-presidenciável sequer repete o que já havia dito logo depois de anunciado o resultado do primeiro turno, no dia 7 de outubro: “Ele, não”.

As declarações de Ciro, parte delas cifrada, sugerem que o pedetista começa na segunda-feira seguinte ao pleito a armar o bote para 2022.

Na véspera de uma eleição acirrada na qual mesmo uma tenaz centrista resolveu descer do muro e apoiar uma das candidaturas em disputa, Ciro fez o caminho inverso.

Consideradas apenas as falas do vídeo de pouco mais de dois minutos, o ex-governador do Ceará subiu no muro, de onde pretende assistir ao desfecho da batalha entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) sem tomar parte.

A seu favor, disse que tinha razões práticas para não escolher um lado. Quais? Ele não falou.

Mas é de se imaginar. Que motivos seriam fortes o bastante para impedir que Ciro queira se associar ao PT na briga contra Bolsonaro, contrariando inclusive garantias dadas por ele de que apoiaria o petista caso não fosse ao segundo turno?

Sob Ciro, é possível que o PDT trilhe um caminho de independência a partir de agora. As tais razões práticas seriam, portanto, um sinal de ruptura com o petismo, cujo presságio inicial foi o pontapé do senador eleito Cid Gomes durante encontro do PT no Ceará, há duas semanas.

A aposta de Ciro é alta. De um lado, corre o risco de se tornar a nova Marina – não pelas qualidades da ex-ministra, mas pelo ônus de não se posicionar, saindo da corrida ao Planalto menor do que entrou.

Na hora H, mesmo a ex-senadora acabou escolhendo um lado. Foi assim em 2014, quando se colocou junto ao tucano Aécio Neves contra Dilma Rousseff.

É assim agora, ao se enfileirar ao lado de Haddad contra Bolsonaro.

Depois dela, outras figuras de destaque, algumas delas antipetistas ou associadas ao combate à corrupção, como o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa e o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, declararam-se a favor de Haddad.

Ciro foi por outro caminho: o de, desde agora, apresentar-se como o nome para liderar a oposição num eventual governo Bolsonaro.

Se a estratégia é essa, o ex-candidato, terceiro colocado na disputa presidencial, terá muito trabalho pela frente.

Por duas razões: a uma semana da eleição, Haddad vem reduzindo drasticamente a distância para o militar da reserva. Pode não vencer neste domingo, mas um passeio de Bolsonaro parece descartado.

Esse resultado cacifa o ex-prefeito de São Paulo como peça crucial na articulação de uma nova oposição no País.

Nesse ponto, o petista conta com mais recursos do que Ciro para viabilizar-se nesse papel. De partida, tem uma vantagem evidente: foi em torno dele e não de Ciro que quase metade do eleitorado se mobilizou para tentar derrotar o militar reformado.

Resumo da ópera: caso vença, Haddad renova a hegemonia do PT na esquerda. Se perder, sobretudo por uma diferença pequena, deixa a eleição como o opositor natural ao novo presidente.

Nos dois casos, Ciro teria dificuldade para se recolocar na linha de frente de um bloco anti-Bolsonaro, principalmente depois de se declarar neutro no segundo turno.

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Henrique Araújo

Jornalista do Núcleo de Política do O POVO

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