Há essa dificuldade inerente em ser brasileiro: temos de devorar-digerir-regurgitar, criar uma perspectiva própria e adaptada à nossa realidade.

Luiz Antonio Aguiar

 [Almanaque Machado de Assis: vida, obra, curiosidades e bruxarias literárias. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 212.]

Em tempos de globalização, mais que nunca se faz necessário refletir sobre o que nos faz brasileiros. Penso que nunca será demais insistir no tema. A questão me toca de tal maneira e com tamanha veemência que, quando idealizei este blog, a convite da direção do Jornal O POVO, decidi que iniciaria sempre a semana refletindo sobre o tema.

No trecho citado aqui em epígrafe, extraído do livro que Luiz Antonio Aguiar escreveu sobre Machado de Assis, aliás, tão informativo quanto agradável de ler, o autor se refere ao que seria uma certa dificuldade inerente em ser brasileiro. Partindo-se do pressuposto de que a afirmação é, de fato, expressão da verdade, caberia indagar onde estaria a origem, ou melhor, qual seria a causa, dessa possível dificuldade.

Parece que, por algum motivo, temos uma certa, aliás, melhor seria dizer, uma acentuada mania de estrangeirismos. Causa-me enorme tristeza passar por uma loja e ver a vitrine estampando enormes frases em inglês. Tenho observado que isso tem se tornado prática comum nos shopping centers. Parece que estas modernas catedrais do consumo, mais comumente frequentadas pela pequena e média burguesia, encontra no mecanismo da adoção de estrangeirismos um forte apelo ao consumo. É como se uma loja, ao estampar na vitrine 50% off, ao invés de descontos de 50%, forma própria da língua portuguesa, estivesse afirmando sua sofisticação, ou, para usar a linguagem mais popular, sendo chique.

Os que assim procedem, desvalorizam ou menosprezam o que é nosso, a começar pela nossa língua, primeiro patrimônio de um povo e condição primordial de afirmação da identidade de uma nação. Lembre-se, a guisa de exemplo, o que vem acontecendo no Tibete. Nação soberana até 1959, ano em que foi invadido pela China, o Tibete tem que conviver hoje com a adoção forçada da língua chinesa como idioma oficialmente ensinado nas escolas tibetanas. Foi uma das formas que a China encontrou de dizimar a cultura daquele povo vilmente mantido sob o domínio estrangeiro.

No Brasil, de forma não declarada, um certo domínio estrangeiro também é mantido. A propaganda maciça é uma das responsáveis por esse dano causado à nossa cultura. O consumo de uma cultura estrangeira, que se reflete na forma de vestir, no tipo de música que é executada nas emissoras de rádio e televisão, no consumo maciço de produtos importados, vai gradativamente solapando as bases da cultura genuinamente nacional. Sem que o percebamos, vamos mudando gradativamente os nossos hábitos. Até que nos apercebemos que estamos nos comportando de forma diferente. O que poderia ter sido apenas um modismo ocasional instala-se como hábito, e passa a fazer parte da nossa natureza.

Mais que nunca é preciso envidar esforços no sentido de resistir aos apelos, especialmente aos apelos do mercado, que, sob a lógica do lucro, invade e permeia todos os espaços. O americanismo hoje invade os nossos lares impiedosamente, sem que o percebamos. De forma subliminar somos levados a adotar, à revelia de nós mesmos, um estilo de vida que nada tem a ver com o nosso jeito brasileiro de ser, com o nosso paradigma cultural. A educação, através das escolas, poderia desempenhar um papel muito importante no sentido de fomentar na criança e no adolescente o amor e o orgulho de ser brasileiro, mas isso é assunto para uma próxima oportunidade.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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