capa1A vida não tem sentido, o universo não tem plano. Para não perder a coragem de viver é necessário embriagar-se do momento único e verdadeiro. Na exaltação da embriaguez dará a ilusão da eternidade.

Babilak Bah

Tarde-noite de terça-feira, Parque da Liberdade ou, como é mais conhecido, Cidade da Criança, centro de Fortaleza. Flanava pelo parque nas proximidades do anfiteatro enquanto aguardava o momento do lançamento do CD Cantos de Boiadeiros, de Mãe Taquinha de Oyá. Num determinado momento se aproxima do local onde me encontrava uma figura de óculos vermelho, cabelo rastafári e uma mochila às costas. Achega-se de um dos organizadores do evento que aconteceria logo mais, o umbandista Paulo Mandu, e logo entabulam uma animada conversa. Paulo acena para mim convidando-me a me juntar a eles. Ao me aproximar ele diz: Vasco, este é Babilak Bah, músico mineiro que está em Fortaleza para participar da Feira da Música. (Mais tarde eu descobriria que Babilak é paraibano, embora resida em Belo Horizonte).

Paulo me apresenta como professor de história das religiões. Alguém já me disse que, uma vez professor, sempre professor. Parece que é verdade, pois embora haja deixado o magistério, continuo sendo tratado pela alcunha de professor. Bem, o fato é que a apresentação serviu como detonador para um animado diálogo entre mim e Babilak, que logo demonstrou vívido interesse pelo assunto religiões.

Conversa vai conversa vem, Babilak disse que também tinha um disco gravado e, abrindo mochila, tirou de lá o CD Enxadário. Quando peguei no disco fui logo perguntando quanto custava, pois gostei tanto da capa que imediatamente decidi adquiri-lo. Perguntou-me por quanto estava sendo vendido o de Mãe Taquinha. Ao responder, ele disse: Pois vou lhe vender o meu pelo mesmo valor, pra seguir o preço cobrado na cidade.

Abri o disco e tirei o encarte que o acompanha. Fui imediatamente atraído pela letra da faixa seis, Artemosfera. Encantado com a sonoridade e jogos de palavras, comecei a ler em voz alta a letra da canção, sendo logo precedido por Babilak, que também passou a repetir a letra adiantando-se à minha leitura. No final já formávamos um coro repetindo em uníssono: O ser mântrico/metáfora simétrica Ritmo quântico/melodia gótica Engenharia poética/tecnologia romântica Pacífico belo/romance atlântico Artemosfera alérgica/rima acrílica Inspiração plástica/pronome maltemático Ser miótico épico/ser mântrico rústico Ser artista genético/ser blante ótico Ser natural crítico/ser mão místico Poesia ser fálica metal/põe edgar lã pôe. A maior peculiaridade do músico, porém, não está exatamente nos jogos de palavras, mas em transformar a enxada em instrumento musical, de onde tira sons encantadores (ou seria mais correto dizer encantados?).

A certa altura de nossa conversa, Babilak me disse: Vasco, você precisa me ver no palco, cara! Não sei se vai dar pra você ir ver meu show, mas quando subo no palco eu me transformo. Uma coisa toma conta de mim, pois pra mim o som é sagrado. Chegando em casa, fui procurar algum vídeo do Babilak na internet. Descobri no YouTube dois vídeos do artista. Fiquei impressionado com a energia que ele transmite quando pisa o palco, manifestando uma exuberância de gestos,  dança, gingado… Comparando o Babilak que conversara comigo, pacato, recatado, de jeito comedido e até tímido de falar, pensei: não resta dúvida, este cara sofre mesmo uma grande transformação quando sobe ao palco. Lembrando a frase que ele escreveu no disco, A enxada descendente do martelo de Xangô, pensei: certamente algum espírito ancestral ou Orixá africano desce pra possuí-lo quando ele sobre ao palco, ocasionando um autêntico transe durante o qual o som é o veículo para a  mais pura expressão do sagrado.

1178521297_overmundoQuando falei pro Babilak que comentaria o seu disco no meu blog nesta sexta-feira, ele reagiu com palavras que gostei imensamente de ouvir. Disse: Pôxa, Vasco, que legal, cara, foi Imenajá que te mandou pra essa conversa comigo! Tenho certeza de que as pessoas que comparecerem ao Centro Cultural Dragão do Mar no sábado às 21 horas vão se deleitar com o som metálico e transcendental que Babilak Bah tira da enxada, por ele convertida de instrumento para sulcar a terra, em instrumento musical a sulcar as notas de um canto sagrado que remonta aos seus ancestrais africanos, de onde tira a força e inspiração para as canções que compõe.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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