Como desculpa para o que pode parecer a alguns como complicação sociológica, gostaria apenas de reiterar que todas as crônicas giram em torno da questão da igualdade como valor na sociedade brasileira. Essa igualdade que faz par com a liberdade e que é fácil de falar, mas complicada de praticar num sistema social que permanece perfeitamente coerente com seus princípios e vieses aristocráticos que engendraram entre nós um país fora do comum. Um lugar onde misturamos capitalismo com monarquia e escravidão e que, pasmemos todos, atravessou todo o século XIX altaneiro e brilhante, como um romance de Machado de Assis.

Roberto DaMatta

[DaMatta, Roberto. Crônicas da vida e da morte. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 11.]

Manhã de segunda-feira, estacionamento do Pão de Açúcar. Enquanto aguardava que o meu carro fosse lavado, me dirigi a uma banca de revistas que ficava próxima. Pois foi ali, numa das prateleiras, que me deparei com o livro do antropólogo Roberto DaMatta, Crônicas da vida e da morte. Fiquei surpreso com a descoberta, pois eu não sabia que ele publicara mais um livro. Ao dar uma olhada na ficha catalográfica, percebi que o mesmo saíra há pouco do prelo, tendo sido editado já este ano.

Roberto DaMatta é um dos autores brasileiros cuja leitura mais me causa prazer. Desde que li Carnavais, malandros e heróis, lá pelos idos dos anos oitenta, quando ainda estudante universitário, me tornei muito mais que um leitor, um grande admirador deste brilhante intelectual. Para mim, Roberto DaMatta e Gilberto Freyre são os dois grandes intérpretes da cultura brasileira, embora existam outros de não menos importância como, por exemplo, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado e Florestan Fernandes. 

O livro referido traz uma diferença marcante em relação às obras anteriores do autor. Aqui ele apresenta ao leitor uma série de crônicas, a maioria delas publicadas nos jornais O Estado de São Paulo e O Globo. Segundo DaMatta, o que o motivou a publicar o livro foi uma tentativa de superar a grande dor experimentada quando da morte de seu primogênito, o Comandante Rodrigo DaMatta.  

Quase todos os dias tenho me deleitado com a leitura das Crônicas da vida e da morte. É um livro, no entanto, que tenho lido com certo comedimento, de forma a adiar um pouco o momento em que lerei a última crônica. Há livros assim, que a gente bem antes da conclusão já começa a antever a saudade que sentirá uma vez concluída a leitura. É claro que um livro de que se gostou sempre poderá ser relido, o que, seguramente, farei, em se tratando desse que ora comento. No entanto, a emoção experimentada jamais poderá se equiparar àquela que sente quando, ao ler um parágrafo ou uma frase pela primeira vez, você para e, num ímpeto impensado, esmurra o ar e murmura de si para si: Caramba! Que frase perfeita! Que sacada! É exatamente o que um dia eu gostaria de ter escrito!

Crônicas da vida e da morte é um livro tão inspirado quanto inspirador, cuja leitura faz antever a possibilidade de conferir um sentido, ou sentidos, ao aparente absurdo da vida. É o que propõe o autor, quando escreve: Essas crônicas têm a marca da renovação e do renascimento. Da renovação, porque diante da doença, da indiferença, da hipocrisia e da morte, eu sigo sereno, escolhendo a vida e o trabalho. Do renascimento, porque este trecho da minha vida tem revelado que cabe mesmo a nós, humanos, dar sentido – como homens entre homens, como dizia Sartre – a todos (e eu repito, todos!) os acontecimentos que constituem e dão fundamento às nossas trajetórias (p. 12).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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