emersonO segredo do mundo é o liame que existe entre o indivíduo e os acontecimentos. O indivíduo faz o acontecimento e o acontecimento o indivíduo. Que é o “Tempo”, o “Século”, senão um modesto número de personalidades profundas, um pequeno número de personalidades ativas que resumem sua época – Goethe, Hegel, Metternich, Adams, Calhoum, Guizot, Pelle, Cobden, Kossuth, Totschild, Astor, Brunel e outros? Pode-se afirmar de antemão que entre o homem, a época e os acontecimentos existe a mesma relação que entre os sexos, entre a raça de animais e a alimentação que absorve, ou as raças inferiores de que se serve. O homem imagina que seu destino lhe é estranho porque o laço está oculto. Mas a alma contém o acontecimento que deve suceder-lhe, porque o laço está oculto. Mas a alma contém o acontecimento que deve suceder-lhe, porque o acontecimento não é senão a exteriorização de seus pensamentos, e o que nós pedimos a nós mesmos obteremos sempre. O acontecimento tem o cunho de vossa forma. Veste-vos como a vossa pele. O que cada um faz é adequado à sua natureza. Os acontecimentos são filhos de seu corpo e de seu espírito.

Ralph Waldo Emerson

[Emerson, Ralph Waldo. A Conduta para a Vida. Tradução de C. M. Fonseca. São Paulo: Martin Claret, 2003, P. 37 (Col. A obra-prima de cada autor, vol. 120.)]

 

A primeira vez que vi uma referência a Emerson foi num livro de um outro grande sábio, o Mestre hindu Paramahansa Yogananda. Desde então, me dediquei à busca de livros deste americano a quem seria atribuído o epíteto de “o sábio de Concord”. Inicialmente adquiri uma edição dos Ensaios, um de seus livros mais conhecidos. Depois adquiri um segundo livro seu, Homens representativos e, mais recentemente, A Conduta para a Vida”, do qual cito alguns trechos aqui.

Emerson nasceu em 25 de maio de 1803, em Boston, e faleceu em 27 de abril de 1882, em Concord, Massachusets. O seu pai, William Emerson, foi pastor, tendo falecido, no entanto, quando o filho contava apenas oito anos de idade. Emerson foi criado em uma família pobre que tinha na educação e nos princípios religiosos evangélicos suas bases mais sólidas. Em 1817 Emerson foi estudar em Harvard, tornando-se pastor, função que abandonaria depois devido às suas posições avançadas, que iam de encontro ao tradicionalismo de seus pares.

Em que pese sua sólida formação religiosa evangélica, Emerson foi, quanto a esse aspecto, um homem muito além de seu tempo. Não hesitou em afirmar abertamente sua admiração pelo Baghavad Gita, uma das escrituras mais importantes do hinduísmo, que lia com admiração. Foi também um apaixonado por Pascal, Montaigne, Shakespeare e Spinoza, personalidades sobre as quais escreveu.

Visando ampliar seus horizontes, viajou para a Europa onde teve oportunidade de estar pessoalmente com alguns luminares da época, como Carlyle, pelo qual demonstraria inicialmente admiração, vindo esta a arrefecer depois de alguns encontros em que teve oportunidade de conhecer o seu pensamento com maior profundidade.

De volta aos Estados Unidos, radicou-se em Concord, passando a escrever e proferir palestras que tinham por foco não os eruditos da época, mas as pessoas simples e comuns, que encontrava em seu cotidiano. Em contrapartida, congregou em torno de si um amplo círculo de amigos que marcariam época na história do pensamento americano, como, por exemplo, Henry David Thoreau, seu amigo íntimo. 

Emerson não criou um sistema de pensamento, embora tenha aplicado ao conjunto das suas idéias o termo Transcendentalismo, que, conforme afirma Henry Thomas num ensaio sobre o sábio americano, consiste na “idéia da unidade do homem através de sua relação com Deus.

Emerson permanece para mim um autêntico modelo do homem sábio, por sua forma serena e tranquila de anunciar suas idéias, sempre calcadas na realidade do cotidiano e embasada nos fatos comuns da vida. No ensaio intitulado “As ilusões”, escreve:

“Neste reino de ilusões, buscamos impacientes e vacilantes os fundamentos e os apoios. Não há senão uma leal conduta íntima, de onde se exclui severamente toda duplicidade ou ilusão. Sejam quais forem os jogos que se jogam conosco, não devemos jogar nenhum conosco mesmos, porém agir em nosso foro interior com a maior honestidade e a maior franqueza. Olho as simples e infantis virtudes da honestidade e da sinceridade como os alicerces de tudo o que há de grande no caráter. Falai segundo vosso pensamento, sede o que sois, pagai vossas dívidas de todas as espécies. Prefiro ser considerado sólido e solvível, tendo uma palavra tão firme quanto um compromisso, e ser o que se não pode suprimir, dissipar ou desarraigar, do que gozar todo o “esplendor’ do universo. Essa realidade é o fundamento da amizade, da religião, da poesia e da arte” (p. 197).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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