21349381Joaneta, apesar de questionar sobre o tempo de que dispõe, deixa-se vencer pela insistência de Maria. Ela obriga a camponesa a enxergar o tempo com outros olhos, fixando a visão no futuro em Deus. Pede que Joaneta saia do seu tempo estressante e rotineiro e passe a entender o valor da verdadeira oração. O convite de Maria suscita uma oração que não é outra senão adequar sua vontade à vontade do Deus Vivo. Trata-se de um esvaziamento de si para que Deus ocupe o tempo e o espaço de quem reza. Joaneta foi chamada a rezar, ouvindo os gemidos inefáveis do Espírito que rezava nela mesma (cf. Rm 8,26). Só assim a camponesa tornar-se-ia livre para acolher o dom de Deus que lhe visitava e poderia acolher a palavra de Maria para o bem de todos.

Leomar Antônio Brustolin

[Brustolin, Leomar Antônio. Maria, símbolo do cuidado de Deus: aparição de Nossa Senhora em Caravaggio. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 63. – (Coleção arte e mensagem)]

Na Apresentação escrita para o livro Maria, símbolo do cuidado de Deus, Frei Luiz Carlos Susin afirma: Uma aparição como critério de revelação e de conhecimento religioso pode surpreender de forma incômoda uma mentalidade moderna. Aparição seria um acontecimento e uma experiência incontroláveis, dificilmente verificáveis. E, no entanto, a fé cristã repousa crucialmente sobre a pedra de escândalo da aparição de Cristo ressuscitado (p. 5).

As pessoas têm, de modo geral, uma grande atração pelo sobrenatural. O tema das aparições constitui solo especialmente fértil para a mentalidade popular, sempre ávida por fatos maravilhosos e extraordinários. Talvez por isso a Igreja Católica sempre tenha tratado com uma boa dose de prudência as aparições de Nossa Senhora.

Uma das aparições mais antigas de Nossa Senhora foi registrada no dia 26 de maio de 1432, quando a Virgem apareceu a uma mulher de aproximadamente 32 anos, pobre e sem instrução, chamada Joaneta Varoli, em Caravaggio, na Itália. É a esse episódio da tradição mariana que Leomar Antônio Brustolin dedica o livro Maria, símbolo do cuidado de Deus. Nele, o autor retoma antigas fontes bibliográficas para fazer o relato da aparição, derivando dela uma série de aspectos simbólicos associados à figura e ao culto à Virgem Maria.

Como é de praxe acontecer nas aparições de Maria, o encontro da Virgem com Joaneta é repleto de prodígios e sinais maravilhosos. Quando a camponesa indaga-lhe como será possível que as pessoas acreditem em suas palavras quando ela falar aos seus próximos das solicitações feitas por Nossa Senhora, essa responde:

(p. 35).

Nossa senhora aparece a Joaneta

Nossa senhora aparece a Joaneta

Não duvides, Joaneta, não duvides! Levanta-te, minha filha, não receies. Vai a Caravaggio. Lá referirás com grande entusiasmo aquilo que te ordenei. Eu confirmarei as tuas narrações com tais maravilhas e com sinais tão evidentes que ninguém duvidará da veracidade e nem ousará contradizer as tuas palavras. Este local, onde me vês, tornar-se-á tão célebre e glorioso que virá a ser a jóia de estimação para toda a cristandade (p. 35).

 E os sinais prometidos apareceram, de fato, como uma fonte que começou a jorrar e cuja água se tornou elemento de cura para muitas doenças. Na parição de Caravaggio, um dos pedidos que Nossa Senhora faz a Joaneta é que no sábado lhe sejam dedicadas preces e orações. A tradição de dedicar o sábado a Maria, porém, remonta a uma época anterior a essa aparição, tendo sido introduzida no século IX. Não se sabe exatamente a origem dessa tradição. O autor do livro aqui comentado propõe várias motivações, sendo uma delas a seguinte:

Outra motivação: no sábado em que Jesus esteve no sepulcro, acredita-se que apenas Maria conservou sólida e intacta sua fé. O sábado, entre a Sexta-Feira da Paixão e o domingo de Páscoa, está repleto da fé de Maria. Ela, a primeira fiel, permaneceu sozinha, mantendo viva a chama da fé (p. 98).

Uma das maiores devoções a Nossa Senhora de Caravaggio no Brasil é a que se registra na cidade de Farroupilha, no Rio Grande do Sul, onde cerca de 250 mil pessoas participam de sua festa celebrada no dia 26 de maio, sendo que as romarias acontecem durante o ano inteiro. A propósito dos devotos que peregrinam ao santuário de Farroupilha, afirma o autor: Desde os primórdios, a devoção a Nossa Senhora de Caravaggio está marcada pela busca de graças e favores que o fiel espera alcançar da Mãe de Deus. O número crescente de peregrinos resulta da constante publicação de graças alcançadas, que adornam as paredes do vetusto santuário. São registros simbólicos de histórias sofridas que, graças à intercessão de Maria, tiveram um final feliz, de acordo com a expectativa do devoto (p. 207).

  

Santuários antigo e moderno de Caravaggio, Farroupilha, RS

Santuários antigo e moderno de Caravaggio, Farroupilha, RS

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles