robertoDa janela o horizonte/ A liberdade de uma estrada eu posso ver/ O meu pensamento voa livre em sonhos/ Pra longe de onde estou/ Eu às vezes penso até onde essa estrada/ Pode levar alguém/ Tanta gente já se arrependeu e eu/ Eu vou pensar, eu vou pensar/ Quantas vezes eu pensei sair de casa/ Mas eu desisti/ Pois eu sei lá fora eu não teria/ O que eu tenho agora aqui/ Meu pai me dá conselhos/ Minha mãe vive falando sem saber/ Que eu tenho meus problemas/ E que às vezes só eu posso resolver…

À janela. Roberto Carlos – Erasmo Carlos

Tarde de terça-feira. No estúdio da Rádio UNIFOR, procurei me acomodar de maneira confortável diante do microfone. À minha esquerda sentou-se a estagiária do Curso de Jornalismo, Clara Magalhães. À direita, de pé, postou-se Mara Rebouças, a outra estagiária, munida de caneta e um bloco de anotações. Sentada à direita, Indira, ali desempenhando simultaneamente o papel de filha e estagiária, nos observava. Preparado o cenário, Clara disparou a primeira pergunta: Como Roberto Carlos entrou na sua vida?

Como resposta, eu disse que, para quem, como eu, viveu sua juventude no Brasil entre os anos sessenta e setenta, de alguma forma, quer queira quer não, guarda a lembrança de algum episódio que teve como fundo alguma música de Roberto Carlos. No meu caso, especificamente, rememorei alguns fatos que ficaram impressos de forma indelével na minha memória, tornando-se parte da minha história de vida.

Quando Indira me perguntou se eu aceitaria o convite de suas colegas para comparecer à Rádio UNIFOR a fim de falar um pouco sobre Roberto Carlos, respondi afiramtivamente, embora eu não seja o que se pode chamar de um grande fã do Rei. A condição para a entrevista era que eu fizesse uma seleção de algumas músicas que estivessem associadas a episódios da minha vida, e cuja letra eu pudesse comentar.

Por sorte, no último natal o meu irmão Mauro Jorge e minha cunhada, Sandra, me haviam presenteado com um estojo contendo 45 CDs do Roberto Carlos. Munido, portanto, de suficiente material, na manhã em que deveria dar a entevista lancei-me à tarefa da seleção. Embora não ouça os discos com muita frequência, a tarefa foi mais fácil do que imaginara inicialmente.      

Para ser franco, no momento em que aceitei o convite algumas músicas se impuseram imediatamente como as primeiras que deveriam constar da seleção. Coincidência ou não, quatro das canções de que mais gosto dentre as que compõem o vasto repertório do Rei se encontram num mesmo CD.

Alem daquelas quatro, escolhi outras nove. Gravei-as num único disco e levei para o estúdio. Ficou assim a minha seleção: 1. Parei na contra-mão; 2. Oração de um triste; 3. Oh! Meu imenso amor; 4. Amada amante; 5. Eu só tenho um caminho; 6. À janela; 7. À distância; 8. O divã; 9. É tempo de amar; 10. A montanha; 11. Mucuripe; 12. Um milhão de amigos; 13. Jovens tardes de domingo.

Não poderia falar aqui dos motivos que me levaram a escolher cada uma das canções, pois, inevitavelmente, o texto ficaria longo demais e correria o risco de cansar os leitores. Gostaria, no entanto, de me reportar a duas que são muito especiais, para mim duas obras-primas da MPB, ambas compostas por Roberto Carlos e Erasmo Carlos. São elas: À janela e O divã.

Cada vez que ouço uma dessas músicas, minhas lembranças me transportam imediatamente à minha adolescência em Massapê. Uma imagem surge nítida em minha mente: num final de tarde de inverno, estou à porta da minha casa e, depois de ter chovido bastante, o céu ainda nublado, observo a água que corre pela sarjeta. De repente, uma janela é aberta numa casa que fica quase confrontando à de meus pais. A pessoa que a abrira, nossa conterrânea Elza Azevedo Vasconcelos,  aparece e, depois de dar uma olhada na rua, entra e se dirige à radiola que ficava na mesma sala. Começo, então, a ouvir a canção que tem por nome, exatamente, À janela. A ela se seguriam as demais 11 músicas do disco, incluindo O divã. Por que tal cena ficou gravada de forma tão forte na minha mente, apenas Freud poderá responder. Por algum motivo, todo aquele passado se faz muito presente cada vez que ouço os seguintes versos, na voz anasalada do Rei:

Eu venho aqui me deito e falo/ Pra você que só escuta/ Não entende a minha luta/ Afinal, de que me queixo/ São problemas superados/ Mas o meu passado vive/ Em tudo que eu faço agora/ Ele está no meu presente/ Mas eu apenas desabafo/ Confusões da minha mente.

Ao final da entrevista, quando Clara me perguntou se eu queria falar mais alguma coisa, eu disse o seguinte: Agradeço a vocês a oportunidade de ter estado aqui e remorado alguns momentos e episódios da minha vida. Por fim, Parafraseando a canção Outra vez, composição de Isolda e um dos grandes sucessos de Roberto Carlos, gostaria de concluir com as seguintes palavras: Das lembranças que eu trago na vida, as músicas de Roberto Carlos são uma das saudades que eu gosto de ter.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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