Existe um prazer na filosofia, e um atrativo mesmo nas miragens da metafísica, que todo estudioso sente até que as vulgares necessidades da existência física o arrastem do auge do pensamento para o mercado da disputa e do lucro econômico. A maioria de nós conheceu certo período áureo no junho de nossas vidas, quando a filosofia era, de fato, como Platão a chama “esse caro deleite”; quando o amor de uma Verdade modestamente esquiva parecia incomparavelmente mais glorioso do que a ânsia pelos prazeres carnais e do que as impurezas do mundo. E sempre há, em nós, um sequioso remanescente daquele antigo namoro com a sabedoria.

Will Durant

[Durant, Will.  A História da Filosofia. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. –  2ª. ed. – Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 21.]

Há dez dias recebi de volta um livro que havia emprestado a uma amiga há alguns anos, e que ela julgara perdido: “A História da Filosofia”, de Will Durant. Não posso negar que foi com imensa alegria que o tomei em minhas mãos. Depois que a colega saiu, me pus a folheá-lo. Rememorei um período da minha vida em que andei muito enamorado da filosofia e, por via de consequência, de alguns filósofos. Repassei pela mente nomes e textos. Alguns marcaram época, provocando em mim grandes e profundas transformações. Houve algumas leituras filosóficas depois das quais nunca mais fui o mesmo.

O detonador dessas reflexões foi a afirmação de Will Durant, escrita na introdução ao livro aqui mencionado, e posta por mim no início deste texto a guisa de epígrafe. Ao ler as palavras do autor, me dei conta de quanto me dediquei com intensidade à leitura da filosofia durante um período da minha vida e como tal interesse feneceu de uns anos para cá.

Por que isso aconteceu? Será que Will Durant tem razão? A filosofia está reservada ou, pior, restrita, aos verdes anos da nossa vida, ao período que o autor denomina “junho de nossas vidas”?

É provável que  Durant tenha razão, mas apenas parcialmente. De fato, parece-me, há um período da vida em que somos especialmente abertos à investigação, quando nos alçamos de corpo e alma à busca do sentido da existência. Talvez o mais adequado com relação a esse período nem seja exatamente dizer que estamos mais abertos, mas que estamos mais disponíveis. Desconfio que esta seja a palavra, disponibilidade. Tudo no início da idade adulta conspira nesse sentido.

Para os que não se iniciaram ainda na vida profissional, para os que têm o privilégio de se dedicar ainda exclusivamente aos estudos – o que, diga-se de passagem, constitui uma minoria em se tratando de Brasil – a ocasião é especialmente propícia. Não há, ainda, a preocupação em prover a família das necessárias condições materiais, nem com a educação dos filhos e tudo mais que uma vida de casado acarreta. Ainda desincumbidos, digamos, de responsabilidades mais urgentes, resta tempo para pensar no sentido da vida, resta tempo para filosofar.

Não nos enganemos, porém. Não se pense que filosofar seja uma atividade para desocupados, de maneira alguma o afirmamos. A questão não é essa. Daí porque falei de disponibilidade, e daí, também, porque disse que Will Durant está certo apenas parcialmente no que afirma. A disponibilidade para filosofar está ligada à disponibilidade para a busca do sentido. E quanto a isso, parece que muitos adultos desistem. É como se houvesse uma espécie de acomodação. Por razões diversas, o adulto se acomoda em sua busca. Ele simplesmente deixa de buscar, abandona o saudável hábito de inquirir. É aí que muitos estacionam e fenecem.

Folhear novamente “A História da Filosofia” provocou em mim esse raciocínio, o que me fez pensar: é hora de revisitar alguns filósofos e, quem sabe, descobrir outros. O junho da minha vida já passou, mas minha ânsia pela busca do sentido, nem por isso, decresceu; apenas sofreu algumas acomodações e reacomodações, o que eu denominaria, com mais proriedade, de mudança de foco.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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