O modo de falar e escrever que não passará jamais de moda é aquele da sinceridade.

Emerson

[Emerson, Ralph Waldo. Ensaios: primeira série. Tradução de Carlos Graieb e José Marcos Mariani de Macedo. – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994, p. 104].

Redigir quase diariamente para este blog tem me levado a várias reflexões sobre o ato de escrever. Não tenho a escrita por profissão ou hobby. Escrevo por vocação. Nenhuma palavra calha melhor do que essa para especificar exatamente o que a escrita significa para mim. E se escrevo por vocação, ao escrever estou inteiro naquilo que escrevo. Vem-me à mente, a propósito, uma frase muito conhecida dita certa vez por Janis Joplin: “Eu canto com minha voz, com meu corpo, com meu sexo. Eu canto toda”. Não corro qualquer risco de exagero ou falseamento se, parafraseando essa cantora que foi um dos ícones da geração hippie, afirmar que quando escrevo, escrevo com meu corpo inteiro. Eu estou todo naquilo que escrevo, e o ato de escrever, não raro, provoca em mim crispações que se fazem sentir no corpo.

Em assim sendo, me vejo frequentemente assolado por questões nem sempre fáceis de responder. Uma delas, provavelmente a mais importante, diz respeito aos assuntos sobre os quais escrevo. Sei que no ato da escrita eu me revelo. O que escrevo é carne e sangue, é a minha vida em movimento. Não dou atenção a elucubrações teóricas que não têm uma aplicação prática. Não sei teorizar por teorizar. Quando me sinto fisgado por um autor é porque, seguramente, o que ele diz faz eco em minha vida, na medida em que sinto que ao falar através da escrita, ele fala de mim ou para mim. E é assim que almejo ser também para uma ou outra pessoa que se dá ao trabalho de despender um pouco do seu tempo lendo os meus textos.

Muitas vezes tenho me flagrado em reflexões do tipo “será que alguém lê estes textos?”, ou “será que o que escrevo tem algum valor para alguém?” Na verdade, escrevo também por imposição. Digo imposição porque, por menos que eu queira, me sinto constrangido a escrever. Por algum motivo eu preciso expressar o que penso, e a forma de fazê-lo, no meu caso, é escrevendo. Uma vez que, de certa maneira, há esse constrangimento a escrever, talvez não devesse me  importar com o fato de ser ou não lido, ou com a questão da utilidade do que escrevo.

Mas o fato é que me sinto responsável pelas palavras postas em forma de texto. Elas são um pouco – ou, talvez, muito – a expressão da minha identidade, do meu ser no mundo. Corolário disso, e em consonância com a premissa emersoniana, tento ser o mais sincero possível naquilo que expresso em meus textos. Boa parte da minha vida a tenho passado entre livros e autores. Os livros são os filtros através dos quais eu vejo a vida. Talvez exatamente por este motivo, por me sentir tão devedor da leitura, tenha tanto cuidado e seja tão exigente quando se trata de ser, eu próprio, fonte de leitura para outros.  

Mas até onde é possível a uma pessoa ser sincera naquilo que escreve? A mente nos prega peças, o auto-engano assoma a todo instante como uma possibilidade e o inconsciente é poderoso demais para se deixar dominar facilmente. Paralelo a isso, há que lembrar que o ato de escrever tem uma característica que jamais poderá ser olvidada: às vezes se começa a escrever um texto ancorado em determinada idéia para, logo mais, nos darmos conta de que ele ganhou rumos que ignorávamos totalmente quando do início. É como se a escrita seguisse uma trajetória própria, sendo o escritor apenas uma espécie de meio através da qual a palavra se torna texto. Às vezes experimenta-se até um certo estranhamento, lendo tempos depois um texto que escrevemos e no qual quase já não conseguimos reconhecer nossa autoria. O ato de escrever muitas vezes surpreende, mais a quem escreve do que a quem lê.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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