10744Se todos os que desejam ser lidos na verdade lessem, haveria uma explosão sem precedentes, já que nunca tantos milhões de pessoas sonharam em ser publicados. Mas o narcisismo dificilmente gratificante do “leia-me que eu o lerei” degenerou-se em um narcisismo que nem ao menos é recíproco: “Não me peça que preste atenção em você: você presta atenção em mim. Não tenho o tempo, nem o dinheiro, nem o desejo de ler o que você escreveu; quero seu tempo, seu dinheiro e seu desejo. Não me importam suas preocupações; que tal você pensar nas minhas?”

Gabriel Zaid

[Zaid, Gabriel. Livros demais!: sobre ler, escrever e publicar. Tradução de Felipe Lindoso. – São Paulo: Paulus, 2004, p. 75].

No Prefácio escrito para a edição brasileira do livro de  Gabriel Zaid Livros demais!: sobre ler, escrever e publicar, escreve Felipe Lindoso: “Há quatro anos, quando participava no Chile de uma reunião promovida pelo Cerlalc (Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe) para tratar da uniformização das pesquisas de produção do setor editorial em toda a América Latina, recebi da colega mexicana que cuidava da pesquisa por lá um exemplar de Livros Demais! em espanhol. Leitor impenitente, como me classifica Gabriel Zaid, no dia seguinte já tinha lido o volume e começava a propagandear suas virtudes a todos que conhecia. Entre estes Raul Wassermann, editor da Summus e então presidente da CBL, que estava também em Santiago, para outra reunião” (p. 9).

Pois bem, a propaganda foi eficaz, tendo surtido um ótimo efeito: a publicação do livro no Brasil por Raul Wassermann. No meu caso, há duas coincidências entre mim e o tradutor do livro em nosso país: a exemplo do que ocorreu com ele, o meu exemplar deste livro também ganhei de um amigo, meu colega de trabalho e bibliotecário Júlio Sérgio Soares Lima; também no dia seguinte após me ter sido entregue já o havia lido na íntegra.

O autor, Gabriel Zaid, nascido no México em 1934, é poeta, ensaísta, crítico cultural e autor de artigos sobre economia. Escrito em linguagem leve e bem humorada, o livro faz revelações sobre o mundo dos livros que muitas vezes

Gabriel Zaid

Gabriel Zaid

surpreende. Embora saiba que atualmente se escreve e se publica demais, eu não podia imaginar que o volume de livros editados no mundo chegasse às cifras citadas pelo autor. A propósito do número de publicações ao longo dos últimos 450 anos, oferece os seguintes dados: “Quinhentos títulos foram publicados em 1550, 2.300 em 1650, onze mil em 1750, e cinquenta mil em 1850. Em 1550 a bibliografia cumulada era em torno de 35 mil títulos; em 1650 era de 150 mil; em 1750 alcançou setecentos mil; em 1850 foi de 3,3 milhões; em 1950 era de dezesseis milhões, e no ano 2000 atingiu 52 milhões. No primeiro século da imprensa (1450-1550), foram publicados 35 mil títulos; no último meio século (1950-2000), houve mil vezes mais, chegando a 36 milhões” (p. 21).

E no Brasil, como fica essa estatística? Felipe Lindoso indaga no Prefácio: “E no Brasil, também publicamos livros demais?”. Ele próprio fornece a resposta: “De acordo com as pesquisas de produção editorial feitas pela CBL, de 1994 a 2002 foram publicados 392.785 títulos em nosso país. É, realmente, demais! É como se um em cada 427 brasileiros tivesse escrito um livro nesse período. Isso contando crianças, idosos e analfabetos que, se não considerados, causariam grande aumento na relação população/autores deste país que supostamente não lê nem escreve. Na conta, é como se cada autor tivesse o público de não autores de 426 outros brasileiros, cada um dos quais receberia um exemplar dos 392.785 títulos publicados e, obviamente, não teriam nem onde colocá-los” (p. 10). Como se pode constatar, não são livros o que falta ao Brasil, mas antes o incremento de políticas públicas de acesso à leitura, pois bem poucos dispõem ainda das condições necessárias à aquisição de publicações.

Gabriel Zaid faz alguma provocações que, uma vez lidas, podem muito bem levar alguns pretensos autores a pensar duas vezes antes de se decidirem a publicar um livro. Entre elas, mencionaria a seguinte: “O poeta Judson Jerome disse certa vez que se os escritores realmente tivessem consideração colocariam uma nota de cinco dólares dentro de cada livro que pusessem em circulação, como reconhecimento simbólico do tempo que estavam pedindo a seus leitores e amigos. Essa é uma solução radical em uma economia de mercado: se a oferta excede a demanda e ninguém é forçado a comprar, os preços caem até ficarem abaixo de zero, e os escritores têm de pagar em vez de cobrar para ser lidos” (p. 75).

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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