Eis o motivo pelo qual essas coisas não devem ser escritas nem contadas, porque é impossível que as entenda senão quem as tiver experimentado.

Santa Teresa d’Ávila

[Teresa de Jesus. Obras Completas. Texto estabelecido por Fr. Tomas Alvarez, O.C.D. Direção Pe. Gabriel C. Galache, SJ. Tradução de Adail Ubajara Sobral e outros. – São Paulo: Edições Carmelitanas: Edições Loyola, 1995, Relações, 5,17; p. 803].

Ler Santa Teresa é, de fato, um desafio à razão. Em que pese essa conclusão, porém, é também fato que a Doutora Mística convence porque reconhecemos nos seus escritos a força de quem sabe não porque ouviu falar ou porque tenha lido em outros autores, mas porque experimentou em si a manifestação concreta do indizível.

Mas, como dizer o indizível, com que palavras, onde encontrar a linguagem adequada para falar do inefável? Os textos de Santa Teresa são uma infindável luta por encontrar as palavras adequadas para falar do que  não pode ser falado. Ela atinge, se assim me é lícito falar, a dimensão última da linguagem, aquele ponto além do qual não é possível ir. Resta-lhe como última alternativa apelar para a metáfora, para as imagens, para as comparações. Nem sempre consegue seu intento. Os confessores a acossam a ponto de quase enlouquecerem-na, ante a impossibilidade de compreender os arroubos da Santa.

Ao longo de sua atribulada busca por alguém que a compreenda, terá que passar por vários confessores. Um deles reclamará a um confrade da quantidade de livros que teve que ler na tentativa de encontrar possíveis explicações para o que acontecia com Teresa. O alívio, um refrigério para sua alma, virá através do encontro com o franciscano Pedro de Alcântara. Aliás, pouca gente sabe, mas este santo foi o primeiro padroeiro do Brasil. Oportunamente escreverei sobre essa figura extraordinária que se tornou amigo íntimo de Santa Teresa. Na verdade, tal era a intimidade entre os dois que chegaram a se comunicar estando ambos a quilômetros de distância um do outro. Na figura de Pedro de Alcântara a monja carmelita encontrou alguém que fazia eco para suas palavras, pois partilhava dos mesmos arroubos místicos, consequência de uma existência absolutamente voltada para Deus.

Nas Relações, um relato autobiográfico resumido da vida de Santa Teresa, encontram-se alguns trechos em que ela maravilhosamente se esforça por falar de suas experiências místicas, como o que citamos a seguir, em que tenta explicar algumas de suas visões. Embora angustiada por não encontrar palavras que dêem conta da realidade da experiência, ela não duvida de sua veracidade, tendo, por isso, que lançar mão da curiosa expressão certeza estranha:

“As Pessoas vejo claramente serem distintas, tal como via ontem Vossa Mercê e o Provincial conversando; a diferença é que não vejo nada, nem ouço, como já disse a Vossa Mercê; mas é com uma certeza estranha, e, embora não vejam os olhos da alma, quando falta aquela presença, logo se vê que falta. Como é isso não sei, mas sei muito bem que não é imaginação; porque, embora depois me desfaça para torná-lo a representar, não posso, mesmo já o tendo experimentado. E acontece a mesma coisa com tudo de que falo aqui, pelo que posso entender, já que, em tantos anos, tem-se podido verificar bem para dizê-lo com essa certeza” (Relações, 5,21; p. 803).

É, também, uma estranha certeza na certeza da veracidade das palavras de Santa Teresa que me têem sustentado ao longo dos anos e, por que não dizer, ao longo dos últimos meses, cada vez que vacilo em escrever sobre determinados assuntos neste blog.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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