Meus amigos a mim vieram sem que eu os buscasse. O grande Deus a mim os deu. Pelo mais antigo direito, pela divina afinidade da virtude consigo mesma, eu os encontro, ou melhor, não eu, mas a Divindade que em mim e neles habita suprime e faz ridículas as muralhas espessas do caráter individual – e das relações, da idade, do sexo, das circunstâncias, com as quais ele normalmente conspira -, tornando assim um o que era múltiplo.

Ralph Waldo Emerson

[ Emerson, Ralph Waldo. Ensaios: primeira série. Tradução de Carlos Graieb e José Marcos Mariani de Macedo. – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994, p. 133].

Quanto tenho aprendido com Emerson, o “Sábio de Concord”! Os escritos deste grande Mestre americano são, para mim, máximas de grande sabedoria, caminho seguro pelo qual se pode trafegar na certeza de que não estamos indo por trilha enganosa. Vez por outra gosto de retornar à leitura de seus textos. Às vezes releio alguns trechos, outras, releio textos inteiros. Emerson sempre me faz pensar e me faz retornar a crença na humanidade cada vez que esta sofre algum abalo.

Tenho o ensaio Amizade  como um de seus mais belos e inspirados escritos. O texto poderia ser resumido na frase “Feliz é a casa que abriga um amigo!” (p. 137), que sintetiza de forma perfeita a alta conta em que o autor tem a amizade. Segundo a sua concepção, as amizades autênticas carecem de que as busquemos, pelo simples fato de que elas naturalmente acontecem. Como? Emerson é tributário de uma filosofia de vida que acredita que as afinidades têm a prerrogativa de atrair os semelhantes. Assim, onde há uma amizade verdadeira realiza-se aí não mais que um encontro de semelhantes, que, por uma confluência de fatos, por uma conspiração Divina, como diria ele, leva duas vidas a se cruzarem e estabelecerem um encontro. 

Não se pense que é fácil manter uma amizade verdadeira. Afirma Emerson: “Não desejo tratar amizades com suavidade, mas com a mais áspera coragem. Quando elas são reais, não são como lâminas de vidro ou esculturas de gelo, mas a coisa mais sólida que conhecemos” (p. 137).  Não raro, as amizades são provadas e, se não resistem, é, muito provavelmente, porque não passavam de relações de conveniência. Esses casos seriam não mais que algo como uma prostituição da amizade: “Odeio a prostituição do nome amizade para designar alianças convenientes e mundanas” (p. 140). Mas, para tanto, necessário se faz que quem se pretenda amigo de alguém seja, antes de tudo, autêntico. Querer conhecer o outro, penetrar a intimidade do outro, pressupõe o conhecimento de si: “Devemos possuir a nós mesmos antes de possuir a um outro” (p. 143). Só então alguém poderá se considerar apto a se fazer amigo e, por via de consequência, ter amigos: “A única recompensa da virtude é a virtude; o único modo de ter amigos é ser um deles” (p. 144).

Emerson figura na galeria daqueles grandes vultos, como Mahatma Gandhi, que sempre demonstraram uma grande fé na humanidade. Assim é que, para além das relações de amizade, que requerem uma maior intimidade entre os pares, o simples fato de sermos semelhantes já é suficiente para despertar em cada um de nós alguma sensação de afinidade:  

“Temos maior dose de bondade do que se costuma dizer. A despeito de todo egoísmo que enregela o mundo como o vento leste, a inteira família humana é banhada em um elemento de amor como em fino éter. Quantas pessoas com as quais mal falamos encontramos em casas, pessoas que no entanto honramos, e que nos honram! Quantas vemos nas ruas, com as quais nos sentamos na igreja, em cuja companhia, muito embora em silêncio, nos comprazemos! Lede a linguagem desses olhares errantes. O coração compreende” (p. 131).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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