Sou preguiçoso por definição. Dou preferência à ficção, porque é só abrir as comportas… Consultar, pesquisar, revolver arquivos e livros não vai com o meu santo. Não tenho saúde…

Orígenes Lessa

[Entrevista concedida a Edla van Steen. Transcrita em : Steen, Edla van. Viver e escrever: volume 1. 2ª. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008, p. 31].

Raramente escrevo ficção. Na verdade, eu não sou um ficcionista, penso que jamais seria. Minha matéria são os livros, e, portanto, o que outros escreveram. Os leitores que têm lido os textos publicados neste blog sabem que em quase cem por cento dos casos parto sempre de uma citação, de um livro ou de uma idéia tomada de empréstimo a um outro autor. Este texto, inclusive, é um exemplo disso. Tive a idéia de escrevê-lo ao ler uma entrevista do escritor Orígenes Lessa concedida a Edla van Steen e publicada num dos volumes de sua trilogia Viver e escrever.

Mas escrever partindo do texto de um outro autor dá trabalho. Eu diria que, em parte, a liberdade do escritor fica mais restrita. Quando escrevo sobre um determinado autor ou livro, por mais que me sinta livre para expressar o meu ponto de vista sobre o seu pensamento, ainda assim me obrigo a ser fiel ao que ele falou,  quando interpreto ou comento suas idéias, mister nem sempre fácil.

Não são raras as vezes em que tem me ocorrido escrever um texto sobre determinado autor e, apenas começado o projeto, ele tem que ser interrompido pela necessidade de recorrer a fontes diversas. Começo, então, a empilhar livros e mais livros sobre o birô e, quando menos espero, a pilha já atingiu um montante tal que se torna impossível cotejar todas as fontes. Não foram poucas as vezes em que o projeto acabou sendo abortado, pela impossibilidade de examinar todas as fontes requeridas. Isso ocorre principalmente devido à exiguidade do espaço disponível para o texto.

Quando me dispus a escrever para este blog, assumi comigo mesmo o compromisso de limitar os textos postados a uma página do Word. Muitas vezes não é fácil dar conta da profundidade do material comentado em espaço tão restrito. Não posso correr o risco de tornar razo e superficial o que, não raro, é profundo e complexo. Em várias ocasiões tenho optado por um subterfúgio que, na falta de palavra mais adequada, chamarei recorte: tomo uma parte do pensamento do autor, um livro ou um texto e o exploro. A estratégia, no entanto, nem sempre funciona. Há que ter responsabilidade pelo que se escreve, especialmente quando se toma como referência o que outros escreveram.

A par dessa dificuldade, uma outra deve ser mencionada: não tenho muita afinidade com a ficção. A propósito, devo admitir que para mim é difícil, inclusive, ler ficcionistas. São poucos os ficcionistas a cuja leitura me dediquei em profundidade. Quando digo profundidade, estou me referindo a ler de forma intensa, até esgotar a obra do autor, como fiz com Clarice Lispector e Machado de Assis. É difícil para mim ler por obrigação. No caso desses dois autores, cada nova leitura era um mundo de novas descobertas. Isso, porém, nem sempre acontece. Tem autores que, por mais que eu tente, não consigo avançar na leitura de sua obra. Alguma coisa fica travada; nesse caso, não adianta insistir, o melhor é desistir. A leitura tem que ser, antes de tudo, prazerosa. Ler é o tipo de coisa que não se pode, nem tampouco se deve, fazer por obrigação.

Isso posto, o desafio que tenho me colocado desde que comecei a escrever os textos para este blog é o seguinte: encontrar formas de dar conta de um texto claro e conciso, sem resvalar para a superficialidade, especialmente quando o assunto abordado não o permite. Nem sempre tenho conseguido meu intento, evidentemente.  Em alguns casos, tive que desistir de um texto, já em andamento. Mas se ver obrigado a desistir de uma idéia que se sabe que daria um bom texto não é fácil. Em nome da coerência, porém, pelo menos de uma relativa coerência, há casos em que foi preciso fazê-lo, sob pena de me sentir traindo a mim mesmo e, especialmente, àqueles cujas idéias me serviram de esteio, o que, para mim, é inadmissível.

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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