Poder-se-ia dizer que uma grande parcela da sabedoria de vida baseia-se na justa proporção com a qual dedicamos nossa atenção em parte ao presente e em parte ao futuro, para que um não prejudique o outro. Muitos vivem em demasia no presente (os levianos), outros vivem demais no futuro (os temerosos e apreensivos), raramente haverá quem mantenha a justa medida. Aqueles que, com esforços contínuos, vivem apenas no futuro, que olham sempre para a frente e impacientemente correm ao encontro das coisas futuras que sobrevêm como se fossem as únicas a trazer a verdadeira felicidade, deixando, porém, que entrementes o presente passe inobservado e não seja usufruído, assemelham-se ao asno italiano de Tischbein, com o saco de feno pendurado no pescoço, acelerando seu passo. Seu único modo de vida é sempre ad interim, até a morte. A tranquilidade do presente pode ser perturbada no máximo por males certos em si e cujo momento também é certo. Esses males, porém, são raros, pois, por si só, ou são meramente possíveis, ou, quando muito, prováveis, ou, ainda, certos, mas o momento de sua ocorrência é inteiramente indeterminado, como no caso da morte. Se nos fixarmos nesses dois gêneros, não teremos mais nenhum momento de paz. Para não perdermos a tranquilidade de toda a nossa vida preocupando-nos com males incertos e indeterminados, temos de nos habituar a considerar os primeiros como se nunca pudessem ocorrer e os segundos como se não pudessem de modo algum ocorrer agora.

Arthur Schopenhauer

[Schopenhauer, Arthur. A arte de ser feliz: exposta em 50 máximas. – Organização e ensaio Franco Volpi; tradução (alemão) Marion Fleischer; tradução (italiano) Eduardo Brandão; revisão da tradução Karina Jannini. – 2ª. ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2005. – (Coleção obras de Schopenhauer), Máxima 14, p. 31.]  

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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