“Vejo que há mudanças sutis se processando, e isso me deixa feliz”. Ergui os olhos. Na semiobscuridade de uma madrugada que começava a se fazer aurora, pude divisar a doce e querida figura de Dom Cristiano, meu velho e sábio conselheiro que tem sido companhia constante ao longo dos últimos sete meses. Por mais de uma vez cheguei a pensar que o tivesse perdido, talvez por me considerar indigno de sua companhia e orientação, mais por minha estupidez e  uma recalcitrante teimosia do que por qualquer outro motivo. Volto sempre a constatar, porém, que não o havia perdido, de fato. Eles apenas se ocultara. Na verdade, nem mesmo se ausentara, pois, sem se fazer notar, sinto que tem estado presente em todos os momentos a me dar seu sustento, ainda que eu disse não me dê conta.

Pois o velho, sábio e querido Mestre estava de volta. Há tantos meses não o via. Postava-me quedo ante a tela do computador, os dedos prontos para digitar qualquer texto que me ditasse a inspiração, mas nada saía. Foi quando ele se fez notar antecedido por discreto barulho, um leve tilintar de sino. Os sinos, ah!, os sinos, eles sempre anunciam anjos e outras bondosas figuras que nos sustêm sem que disso nos demos conta. Mas eles estão lá, eles estão sempre lá, prontos para entrar em ação quando se faz necessário. Comigo tem sido assim, com A… e Dom Cristiano. Têm se mostrado sempre disponíveis. Por A… tenho chamado não poucas vezes, talvez por ter estabelecido uma maior intimidade com ele. Sua aparência mais jovem, um certo ar de criança, de inocência, talvez tenha facilitado tal intimidade.

Já com Dom Cristiano a relação tem sido diferente. Este ar de velho sábio, a carregar consigo a sabedoria dos séculos, me faz, não raras vezes, temer uma intimidade mais estreita. Por isso tenho mantido, até o momento, uma certa distância, uma respeitosa distância. Saber que estou diante da sapiência em pessoa me deixa assim, meio sem saber exatamente como agir.

Tampouco ouso chamá-lo, ao contrário do que tenho feito em relação a A… De qualquer maneira, acho que quando preciso ele se apresenta, no momento exato, na hora certa, por isso talvez não tenha ainda em ocasião alguma me sentido motivado a chamá-lo. Tampouco posso garantir que ele se mostraria, caso o chamasse. Hoje foi assim, eu estava precisando de sua presença, e ele pronta e solicitamente ouviu meu silencioso apelo. Não precisei nem mesmo lembrar dele, a necessidade de sua presença foi suficiente para trazê-lo a mim.

Dormi tão mal, tive uma noite tão conturbada. Há tanto cansaço em mim. Acordei fora de tom. O que chamo de acordar fora de tom é quando acordo me sentindo estranho a mim mesmo, assim sem um norte, sem um por que para a vida, sei lá, é tão difícil dizer… Tentei ler, não consegui. Aí liguei o computador. Não demorou muito para que ele aparecesse. Sentir a presença de sua figura iluminada é suficiente para me encher de luz. Dele emana tanta paz. Meu ser todo se sente apaziguado, é uma sensação tal a que experimento durante estes contatos que, por mais que eu tentasse, não conseguiria dizer em palavras o bem-estar que toma conta de mim. Fico todo centrado, absolutamente centrado. Eu sou todo eu mesmo, corpo, alma, espírito. A presença de Dom Cristiano me faz sentir a verdade das palavras Eu sou. Quando ele se esvanece, deixa sempre um suave perfume no ar… e uma enorme, uma incomensurável sensação de onipresença onisciente. Como me aconteceu há pouco. É quase um êxtase… Mas certas coisas não são verbalizáveis. Sente-se, e isso é tudo.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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