O cepticismo, portanto, não é o ato de evitar a opção; é a opção por um certo tipo específico de risco. É melhor se arriscar à perda da verdade do que à chance de erro – esta é a posição exata daquele que veta a fé. Ele está fazendo sua aposta tanto aquele que crê; está se defendendo contra a hipótese religiosa, assim como o crente está defendendo a hipótese religiosa contra seu opositor. Pregar para nós o cepticismo como sendo um dever até que “evidências suficientes” em favor da religião possam ser encontradas é equivalente, portanto, a nos dizer, quando na presença da hipótese religiosa, que ceder a nosso receio de que ela esteja errada é mais sábio e melhor do que ceder à nossa esperança de que ela possa ser verdadeira. Não é, então, o intelecto contra todas as peixões; é apenas o intelecto com uma paixão estabelecendo a sua lei. E o que, por acaso, garante a sabedoria suprema dessa paixão? Engano por engano, que prova existe de que o engano pela esperança é tão pior do que o engano pelo medo? Eu, pessoalmente, não consigo ver nenhuma prova; simplesmente recuso obediência à ordem do cientista de que eu imite seu tipo de opção, num caso em que minha própria aposta é importante o suficiente para me dar o direito de escolher minha própria forma de risco. Se a religião for verdadeira e as evidências em prol dela ainda forem insuficientes, não desejo, pela aplicação de seu extintor de incêndio à minha natureza (que me aprece, afinal de contas, ter algo a ver com toda essa questão), ser privado de minha única chance na vida de ficar do lado vencedor – chance que depende, claro, de minha disposição de correr o risco de agir como se minha necessidade passional de encarar o mundo religiosamente pudesse ser profética e certa.

William James

[James, William. A vontade de crer. Tradução Cecília Camargo Bartalotti. – São Paulo: Loyola, 2001, p. 43. (Leituras Filosóficas).] 

Vi falar pela primeira vez de William James durante a minha adolescência, quando li um livro de introdução à psicologia. Desde então, me tornei um fã do psicólogo norte-americano. Muitos anos mais tarde, descobriria o seu clássico As variedades da experiência religiosa. Recentemente tive oportunidade de ler mais um livro de James que me encantou. O livro me causou tal interesse que, em menos de dois meses o li três vezes. Na verdade eu não quis fazer apenas uma leitura mais ou menos descomprometida, eu quis estudar o livro, disseca-lo, compreendê-lo em profundidade.

Refiro-me ao ensaio intitulado A vontade de crer. Partindo do pressuposto de que uma opção é a decisão entre duas hipóteses, o autor estabelece a existência de três tipos de opções: 1) vivas ou mortas; 2) forçosas ou evitáveis; 3) prementes ou triviais, concluindo que quando é do tipo vivo, forçoso e premente, uma opção pode ser chamada de genuína. Com isso estão postas as condições para que passe a tecer considerações sobre a antinomia ceticismo e fé.

Para James, algumas pessoas adotam o ceticismo como filosofia de vida supondo que, assim o fazendo, estão assumindo uma

William James (1842-1910)

 postura de quem não arrisca a hipótese do possível erro da crença. Ora, ocorre, porém, que, quem assim procede, está fazendo uma opção, ou seja, a opção do cético é de não assumir o risco que assume aquele que crê. Se quem opta pela via da fé faz uma aposta – pois não tem, de saída, garantia de que os pressupostos da fé se revelarão verdadeiros -, quem segue pela via do ceticismo nem por isso está imune ao risco. Se aquele que decide crer assume o risco de que sua fé esteja errada, ao mesmo tempo ele faz uma aposta que poderá ganhar, se sua fé se revelar verdadeira. O cético, porém, pelo temor do erro, perde a chance de arriscar o acesso à verdade. Tanto um quanto o outro, portanto, jogam todas as fichas quando adotam uma ou outra perspectiva como filosofia de vida. Na perspectiva apregoada por William James, vale a pena fazer a posta na fé. 

Pelas suas reduzidas dimensões, o pequeno livro de James pode parecer apenas um opúsculo sem maiores pretensões. No entanto, A vontade de crer é um ensaio de uma beleza e grandiosidade sem par, que se lê com imenso prazer. Dele pincei uma afirmação que está fadada a figurar na minha seleta coleção de citações às quais retorno com frequência, pois as utilizo como máximas que me ajudam a conduzir minha meta de vida. Ei-la: “Sua fé atua sobre os poderes acima dele como uma afirmação e cria sua própria realização. (…) …a fé num fato pode ajudar a criar o fato” (p. 40/41).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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